Não sou ciumento, não sou possessivo, não encho a minha esposa com mensagens perguntando onde está ou o que anda fazendo.
Sou pacífico, calmo, tranquilo. Ela até me pede mais preocupação. Às vezes, pela minha postura excessivamente confiante, pensa que nem sinto saudade e me questiona se a amo, com aquele rosto suplicante da carência.
É evidente que a amo. Mais do que ela imagina.
Só que percebi que o meu laconismo desaparece diante de emergências de consertos. Sou stalker de pedreiro, de eletricista, de hidráulico, de marceneiro.
Eu me vejo, unicamente nessa situação, correndo atrás de alguém.
A legião de barbados que, como eu, entope o WhatsApp desses profissionais quando há um vazamento ou um apagão em casa não tem cabimento.
Mandamos mais mensagens para eles do que já enviamos um ao outro em toda a nossa vida amorosa.
Pressionamos, mantemos as rédeas curtas, cobramos, tornamo-nos chatos e hostis, tornamo-nos prepotentes e inadequados, com ligações de manhã cedo ou durante a madrugada.
Nossos apelos desrespeitam o horário comercial. Nossa insistência extrapola para a indiscrição.
Já supomos o pior, já antecipamos o pior. Nossas manifestações estão longe da cordialidade, mostrando-se reativas e paranoicas.
Esquecemos que os prestadores de serviço têm famílias e responsabilidades. Não estão integralmente disponíveis para satisfazer às nossas vontades.
Como não conseguimos permanecer sóbrios e equilibrados sem uma privada funcionando, ou sem luz no quarto, ou com cano estourado, ou com armário quebrado, entramos em parafuso.
Talvez tenhamos que examinar o nosso comportamento ultra-ansioso ou a mania por soluções imediatas e automáticas.
Será que isso não surge de uma arrogância, de se achar acima da normalidade, querendo exclusividade, privilégios e preferência?
Como seus contatos para encargos estão salvos na agenda? Pela função genérica? Sem digitar o nome? Sem o mesmo cuidado conferido a um amigo?
Invadimos a privacidade e não oferecemos as honras da intimidade como contrapartida.
Tratamos de qualquer jeito, com pressa e afoiteza, incapazes de decorar quem realmente são.
Será que o atropelo aos bons modos não decorre do preconceito de presumir que tais trabalhadores costumam enrolar? Na verdade, eles vivem de imprevistos, pois nunca saberão o que encontrar num chamado e se vai demorar além do desejado.
Como encaixam atendimentos em sequência, uma complicação num endereço – abrir as paredes, procurar infiltração, trocar rede elétrica – pode interditar o dia deles e obrigá-los a suspender as atividades à revelia do resto da agenda.
Tenho pena, por exemplo, do meu compreensivo hidráulico Davi. Com certeza não me aguenta mais. Deve ter se arrependido do instante em que aceitou a minha primeira ligação desesperada.
Fui recapitular nossos últimos diálogos: apenas eu falo!
– Virá hoje?
– Está chegando?
– Falta muito?
– Não vem?
– O que aconteceu?
– Não posso ficar esperando, preciso trabalhar.
As urgências domésticas transformam radicalmente as pessoas. Antes de solicitar um orçamento, vale dar uma passada na terapia.