Fala-se tanto do pão de queijo de Minas, realmente irresistível, só que mineiro “bão” gosta mesmo é de coxinha de frango com catupiry.
Essa coxinha é uma arte local. Foi criada aqui, na década de 1970, na lanchonete Doce Docê, na Afonso Pena, receita de Thereza Christina Pinto Coelho Martins de Oliveira.
Do balcão de dona Thereza, seguiu para o Brasil inteiro. Ela se esqueceu apenas de patenteá-la.
Rio de Janeiro e São Paulo reproduziram o salgado, vendido sobejamente nas portas das fábricas, a ponto de ter sua origem obscurecida. Mas a coxinha de frango com catupiry é mineira, assim como Pelé era mineiro, assim como Drummond era mineiro, assim como Santos Dumont era mineiro, assim como Chico Xavier era mineiro.
A massa tem caldo de frango e é temperada com sal e alho. O recheio é feito à mão numa cumbuca, logo fechada com tampa, e ganha um banho de clara de ovo e farinha. O catupiry é posto nas laterais da massa, cujo centro é ocupado pelo frango desfiado com cheiro-verde. O segredo vem a ser o óleo novo, evitando o cheiro enjoativo de gordura.
Não há boteco que não ofereça coxinha. Não há marmita no trabalho que não traga uma coxinha. Não há festa de aniversário que não atraia a atenção com coxinha. Não há coquetel ou vernissage que não agrade aos convidados com coxinha.
Tanto que coxinha não é um lanche, exibe status de almoço. É comum ouvir em Belo Horizonte “eu almocei coxinha”, sem nenhum outro acompanhamento. Ela sacia qualquer vivente.
Não é nada pequena, trata-se de um cone maravilhoso e crocante que é maior do que uma mão e exige o embrulho de vários guardanapos.
A bomba de sabor explode na boca na primeira dentada. É necessário cuidar para não queimar os beiços.
Vicia como chocolate. É o único salgado que gera a mesma dependência do açúcar. Minha mulher e meu filho quase perderam todos os bens mantendo a compulsão. Beatriz e Vicente se revezavam na aquisição do produto perto de casa. Iam a uma confeitaria no bairro como ponto de tráfico predileto. Nem me revelavam a frequência ou a quantidade consumida, deliciavam-se em segredo com a porta do quarto trancada.
Eu sabia que haviam comido pela alegria intempestiva, pelo sorriso farto e fácil. Não apresentavam nem mais apetite para a refeição. Estavam literalmente chapados de coxinha, possuídos de ternura, querendo me abraçar e me beijar, gestos raros da parte deles.
Como marido e pai, estranhava o surto atípico de carinho. Quem come coxinha torna-se imediatamente sensível, romântico, cheio de amor para oferecer. Deve existir algum efeito lisérgico na sua composição.
O problema da convivência é a abstinência.
Beatriz e Vicente tentaram mais de uma vez se reabilitar e desistir da paixão, assumindo um período de desintoxicação.
Porém, acabavam irreconhecíveis quando ficavam uma semana sem coxinha. Não dormiam direito, não sustentavam o foco no estudo ou no trabalho, perambulavam distraídos e desanimados, com dificuldades de socialização, desprovidos de esperança na vida.
Eu era obrigado a sair de casa e comprar a droga novamente, para reaver a harmonia familiar. Não tinha o que fazer. Havia sido vencido pela coxinha. Poderia ser pior, poderia ser um entorpecente muito mais pesado.