O pacto social que há em torno da indumentária de noiva é uma injustiça, uma desigualdade entre homens e mulheres.
A mulher só pode usar o vestido de casamento uma única vez. Mesmo quando o casamento resulta no divórcio, no esquecimento, no arrependimento.
Criou-se uma superstição de que dá azar.
Se o matrimônio prospera, a relação alcança a tão sonhada estabilidade e o casal se mantém unido, tampouco o vestido é reciclado. Dorme num baú, no fundo do armário, para nunca mais. É um prejuízo de rendas e véus.
A esposa não pode blasfemar ou profanar o tecido com algum corte ou adaptação para produzir um segundo figurino, assim como se transforma uma calça em bermuda, um casaco em colete.
É visto como um desrespeito à memória de um momento único, singular, sagrado.
Eu fico pensando com os meus botões: o vestido já está eternizado nas fotos e vídeos, ainda depende de alguma prova maior de posteridade?
Trata-se simplesmente de uma roupa, não uma túnica inconsútil com poderes sobrenaturais. Não é uma armadura da fidelidade. Uma couraça da castidade.
Não se justifica a renúncia. O vestido custou o olho da cara para ser posto em exibição exclusiva. No mínimo, precisaria ser reutilizado dez vezes para compensar o investimento. Ou quem sabe ser alugado para as amigas.
Se há casamentos coletivos para economizar na festa e cerimônia, por que não um vestido coletivo?
Vejo como inadmissível a manutenção do conto de fadas, o fetiche que perpassa gerações como um mandamento inviolável.
Unicórnios não existem. E, se existem, foram chifrados pelos seus parceiros.
Grave é deixar o vestido lindo e gracioso mofar guardado, amarelar e ser devorado pelas traças.
Dificilmente a peça será visitada um dia para se reviver um pouco a glória do altar, só se a pessoa estiver se separando e quiser contemplar as ruínas.
O tempo dificulta o reencontro. Após décadas ostentando a aliança no dedo, o corpo muda, e ninguém mais cabe naquelas medidas apertadas de espartilho branco e respiração presa.
Já os homens não arcam com nenhuma maldição, fiscalização social, vigilância comportamental e vivem reempregando o terno e os sapatos do seu casamento, especialmente para comparecer a batizados e casamentos de colegas. Tem quem, sem pudor nenhum, exiba o conjunto para aparecer em velórios. Já vi aqueles que disfarçam a aparência mudando o cinto, ou a camisa, ou o blazer.
A regra para eles deveria valer para elas, numa medida de equiparação emocional.
Considero um desperdício apenas os convidados da Basílica de Lourdes daquele 18 de novembro de 2016 terem visto e se impactado com minha esposa Beatriz envergando o vestido da estilista Solaine Piccoli. A exuberância merecia uma reprise.
Ou isso muda, ou vou me casar de novo com Beatriz.