Virou notícia e depois piada o episódio do integrante do governo fazendo aquele gesto tradicional do mais genuíno baixo calão. Notícia, porque agora qualquer asneira serve como tal. Piada, porque um conhecido comentarista, enfático ao condenar o sucedido, usou a própria mão direita nervosa diante das câmeras para repetir exatamente o mesmo enlace do polegar e do indicador, várias vezes.
Na verdade, o cara desprezou o significado popular do gesto e logo agregou-lhe conotações racistas de galáxias distantes, já que construir um “o” com os dedinhos também é moda entre os radicais da “supremacia branca” – mas lá no Texas, Oregon, Arkansas ou Alabama.
A impressão é que existe um pessoal a postos nas ilhas de edição, olhos vermelhos atentos aos “frames”, em busca de qualquer bobagem que possa ser manipulada para fins de alarde oportunista. Para mim, está claríssimo que o funcionário fez o gesto obsceno – inadequado e condenável, claro – mas em direção a algum desafeto na plateia. A pretensa alusão à “supremacia branca” passou longe, muito longe; foi apenas mais um caso de histeria politizada, de carona nas frescuras atuais.
Gente que se interessa por comunicação – verbal, gestual, sutil, qualquer uma – também gosta de entender símbolos e códigos. O glorioso “vê da vitória” deixava em apuros seu usuário caso a palma da mão estivesse voltada para ele mesmo e não para a multidão. Dizem que Churchill, dando uma de inocente, usava-o “por engano” quando muito assediado por repórteres ou chatos que lhe obstruíam a passagem. Estava certo. Há momentos onde só cabe uma resposta assim. Quem nunca?
Conhecido no passado como “escudinho da Panair”, pela semelhança com a logomarca da memorável cia aérea, o gesto é portador de mensagens de todo tipo, dependendo da situação, do país, da cultura e dos costumes. A referência mais antiga é a do “mudra” de Sidarta Gautama, o Buda, em estátuas e pinturas do oriente. Certamente, o mestre jamais ofendia seus discípulos nem pregava qualquer tipo de supremacia usando dedos unidos na mesma posição. Na guerra mundial, o sinal de OK passou a significar “zero-killed” - um alívio, ninguém morrera na refrega. Se você for um mergulhador e seu parceiro lhe acenar com o gesto, não solte borbulhas de raiva. Calma, ele só quer saber se tudo está OK naquelas profundezas.
Embora seja positivo em pouquíssimos países, como nos EUA, na maioria deles o gesto é considerado ofensa; algo ou alguém é desprezível e sem valor; um zero bem redondo. Nada demais, zero é zero; avaliação escolar regulamentar e universal. No mundo árabe é usado como clara ameaça de retaliação: "você verá comigo, canalha, safado, sem-vergonha, imbecil, seu mísero piolho de camelo imundo!"
Em muitos países e no Brasil, quando exibido com o dorso da mão virado para baixo e o círculo voltado para o destinatário, não deixa dúvidas: torna-se um insulto claro e irrevogável. Este palavrão silencioso é empregado para retrucar e mandar introduzir num certo orifício uma frase, informação, proposta ou afronta, similar à exibição do dedo médio ereto, o famoso “up yours!” dos gringos.
Desse jeito, acho que a única “supremacia” presente no episódio é aquela que as mídias convencionais – até então donas exclusivas das cabeças do povo - vão perdendo disparado para os canais de streaming, cada vez mais variados, informais e divertidos. Com o acesso à internet, os telespectadores de outrora se dão conta de como as TVs são uma porcaria. Até eu, nas raríssimas vezes que ainda ligo o aparelho para acompanhar notícias, deixo a mão preparada: dorso para baixo e círculo voltado para a tela.