Outro dia conversávamos sobre a cobrança – às vezes explícita, às vezes velada, mas permanente – sofrida pelas mulheres no quesito “beleza”. Geralmente, homens são mais poupados nesse aspecto. “Puxa, fulano está um gato, nem parece que passou dos 60...” Mas aos olhos da sociedade as mulheres devem se manter eternamente enxutas, gostosas, irradiando energia e beleza desde a adolescência até...qual idade, mesmo?
É uma crueldade; uma estupidez de nossos tempos reforçada pela mídia, redes sociais e fofocas dos amigos. Envelhecer e morrer são os únicos eventos certos, gerais e irrestritos da vida. Homem ou mulher; pobre ou rico, celebridade ou anônimo, ninguém escapa do tempo que passa, da decadência física e do fim da linha. Cuidar da saúde é ótimo, importante. Porém, aceitar a finitude e conviver com ela numa boa é uma rara virtude em meio a vaidades e culto das aparências; buscas desesperadas de eterna juventude; apegos doentios; episódios comoventes, dramáticos ou até ridículos de travar a ampulheta implacável do deus Cronos.
Naturalmente, em certos indivíduos o envelhecimento demora mais a se manifestar por conta da genética, atividade física, boa alimentação, hábitos saudáveis etc. No entanto, esta estética diferenciada de alguns virou – imaginem! – uma ofensa aos olhos das patrulhas politicamente corretas. Jennifer Lopez, detentora de tais características, foi acusada de “prestar desserviço às mulheres comuns” por exibir, numa propaganda, seus 53 anos em boa forma.
Choveram comentários irônicos atribuindo o disparate simplesmente à inveja rasteira da blogueira que o proferiu. Falta de assunto, bate-boca inútil ou chilique ciumento?
Na TV apareceu um caso triste. Um casal, bem modesto, passou quatro anos economizando para realizar um sonho. Casa própria? Estudos? Uma viagem? Abrir uma empresa? Que nada: a poupança foi gasta em inúmeras cirurgias plásticas da patroa cinquentona: silicone nos seios e nas nádegas, lipoaspirações, esticadas e puxadas diversas. Enfim, o projeto maior do casal resumia-se a ter em casa um espécime “belo” e “sexy”; curvas, planícies e protuberâncias exageradas das quais se orgulhariam. Final terrível: confiaram num canalha que se dizia cirurgião plástico, deu tudo errado. Deu pena.
Para compensar, uma atitude inspiradora e simbólica. Vimos no sábado o excelente “Boa sorte, Leo Grande”, filme com Emma Thompson no papel de uma viúva que contrata os serviços de um garoto de programa. O inusitado encontro, com todos os ingredientes de um episódio leviano, transforma-se numa emocionante, profunda e também divertida reflexão sobre amor, relacionamentos, sexualidade, esplendor e decadência do ser humano em sua embalagem transitória de carne e osso.
Nos trechos mais tórridos nota-se que a atriz foi substituída por uma dublê. Medida compreensível; exceções costumam ocorrer em contratos de artistas. No entanto, na cena final, Emma Thompson, corajosa, despe-se totalmente para o espelho do quarto do hotel e para as telas dos cinemas do mundo. Vê-se então uma mulher madura, bem vivida, mãe de dois filhos – seios um pouco caídos, rugas, flacidez, celulite, gorduras localizadas – imagem honesta de um corpo feminino aos 63 anos.
Quando o filme termina e as luzes se acendem, aqueles que já eram fãs da excepcional atriz Emma Thompson - meu caso - passam de imediato à categoria de grandes admiradores daquela mulher comum por trás dos seus personagens.
A beleza tem várias formas – algumas sutilíssimas, inesperadas, inquietantes. Tolice é discuti-la, aprisioná-la em modelos ou polemizar sobre padrões: a beleza de uma mulher permanece soberana. Felizes daqueles que sabem apreciá-la em total liberdade.