De puro idealismo, quixotescamente, lanço hoje uma campanha com fins educativos, de saúde mental e de segurança pública. O slogan está aí em cima, no título: “Rojões Nunca Mais”. Como toda campanha, nasce frágil, desacreditada, mas... Quem sabe rola? No passado, o falecido apresentador Flávio Cavalcanti (que era um chato em outros aspectos, vale dizer) usava seu programa de TV para alertar a população sobre essa insanidade. O lobby dos fogos contra-atacou pesado. Espalharam cartazes caricatos em que o apresentador aparecia “explodindo” na boca de um rojão – o que dava ideia da civilidade e do bom gosto dos bastidores da pólvora.
Minha modesta campanha não visa apenas à proteção de humanos, mas também (e, confesso, principalmente...) à dos bichos. Já dediquei mais de uma crônica solidária ao terror de cães, gatos e passarinhos durante as partidas de futebol, as festas religiosas e o incomparável cataclismo do réveillon. Aliás, vem aí mais um, no próximo sábado, e quem tem bicho em casa começa a se preparar para mais uma noite de pavor.
Cães e gatos, de audição muito sensível, entram em pânico e buscam abrigo sob camas e sofás. Alguns fogem de casa e não voltam mais. Para nosso velho boxer Zeca, certo réveillon foi fatal. Naquele ano, as explosões perto de casa alcançaram patamares inéditos; ele se abateu, desenvolveu uma doença neurológica que levou-o embora. O efeito das explosões de rojões sobre os passarinhos é menos divulgado. As aves recebem em cheio o deslocamento de ar; voam desorientadas ao sentirem o impacto; chocam-se contra prédios, despencam desfalecidas.
Além dos bichos, há idosos, bebês, hospitais cheios de pacientes, pais e mães insones e indignados com o foguetório. Nas entrevistas que costumam ser feitas na época das festas juninas e finais de ano, jamais – repito, jamais – vi um médico, um militar ou uma autoridade tocar no assunto dos danos infernais causados pelo barulho. A contribuição deles resume-se aos “melhores cuidados para se soltarem fogos com segurança”. Repetem o lenga-lenga usual: façam isso, não façam assim, cuidado com isso ou aquilo. E pronto: que se danem os ouvidos e a saúde dos pobres vizinhos.
Em Sergipe a ignorância pirotécnica alcançou o nível de pós-graduação. Nas cidades do interior, durante as festas de junho, moradores atiram tubos de bambu flamejantes uns contra os outros, em plena rua. São as “guerras de espadas”, discretamente estimuladas como “atrações turísticas” pelas prefeituras, que fazem vista grossa às graves consequências do evento. Os petardos não têm controle, voam em zigue-zague enlouquecido, ferindo todo mundo. A cada temporada contabilizam-se mortes, queimaduras sérias e mutilações generalizadas.
De vez em quando, fábricas voam aos ares, em explosões cinematográficas. Neste mês, a pequena cidade de Tutelpec, no México, considerada “o mais seguro centro de fabricação de fogos do mundo”, provou que não era nada disso. Dezenas de mortos e centenas de feridos entraram para a estatística fumacenta da atividade. O Brasil também brinca impunemente com a perigosa mistura de pólvora e irresponsabilidade. Os plantões dos prontos-socorros que o digam. Vamos assim nos destacando como o paraíso dos aficionados a idiotices – vide a extinta farra do boi, as vaquejadas, a soltura de balões incendiários, o uso de cerol e congêneres. Naturalmente, estamos na contramão da história também no quesito “fogos de artifício”. Países de Primeiro Mundo só permitem os artísticos, com formas e cores, sem barulho, e olhe lá.
Aqui comigo, tento entender o estranho prazer de um indivíduo no ato de soltar rojão. Qual é a graça, qual é o tesão oculto de ir à loja, gastar dinheiro e promover estouros inúteis e agressivos, sem se importar com nada mais? Até agora, só consegui responder usando minha tese particular: o rojão barulhento é a expressão mais estúpida do total desrespeito ao outro. Ou, quem sabe, um comportamento inconsciente de conotações fálicas, um canudo ereto exibicionista.
Foram os chineses que inventaram a brincadeira. Perceberam que bambus ainda verdes explodiam quando lançados ao fogo. Fácil entender: formam-se bolsas de ar e de seiva, presas dentro da planta, inchando e explodindo quando aquecidas. Muitos anos depois – e infelizmente – algum chinês desocupado resolveu incrementar a coisa recheando os bambus com a pólvora, inventada lá também, no intuito de espantar os maus espíritos à custa da barulhada.
Séculos se passaram, e os maus espíritos não foram embora. Aliás, ganharam força e circulam livres. Sobretudo aqui, neste país absolutamente permissivo e leviano em temas que envolvam o bem-estar da comunidade.