A ciência é mesmo cheia de surpresas e coincidências. Assim como a penicilina foi descoberta por acaso, numa distração de Mr. Fleming, outro episódio interessante ocorreu recentemente – mas pouca gente ficou sabendo.
Um entomologista – estudioso de insetos – começou a perceber algo de estranho enquanto viajava de férias ou a trabalho pelas rodovias da Alemanha. O cientista notou que, a cada ano, seu carro sujava-se menos com insetos; aqueles que costumam lambuzar o para-brisas, exigindo esforço extra do limpador. Que diabo estava acontecendo?
O sujeito resolveu investigar o fenômeno. Mexeu daqui e dali até chegar à Krefeld Entomological Society, entidade alemã que há anos vem estudando os insetos em todo o mundo. A Krefeld já tinha pronta uma pesquisa com dados de 63 reservas naturais do território europeu baseada na mesma intrigante pista: a redução de insetos pelas estradas e os para-brisas menos sujos.
Nos últimos 30 anos, nada menos que três quartos da população de insetos do mundo desapareceram. Isso inclui, principalmente, insetos alados, como algumas espécies de besouros, abelhas, borboletas, grilos e gafanhotos. No geral, a média de extinção gira em torno de 76% e, no verão, quando deveriam ficar mais ativos, registram-se picos que alcançam 82% de insetos “ausentes”.
Outro cientista, Dave Goulson, da Universidade de Sussex, lembra que os insetos representam dois terços das espécies vivas do planeta. Diz ele: “Estamos tornando a Terra cada vez mais inóspita para a maior parte dos seres vivos. Os insetos estão em amplo declínio, e, se forem embora de uma vez, tudo vai desabar. Estamos no limiar de um armagedon ecológico”.
Não é preciso muita pesquisa para imaginar o terrível cenário previsto por Goulson. Além de polinizarem, os insetos fazem parte da cadeia alimentar dos pássaros, e o “efeito dominó” se alastra velozmente. No ano passado, descobriram mais um sinal de alerta nas reservas estudadas. Mesmo com a biodiversidade preservada nesses locais, o número de insetos extintos continua a crescer. De 1989 a 2017, já sumiram cerca de 60%.
De quem é a culpa? Os vilões já foram identificados: as variações climáticas das últimas décadas; a interferência do homem modificando o ambiente; o desaparecimento de áreas verdes; alguns vírus novos e – é claro – os agrotóxicos. A esses fatores ainda se somam a urbanização galopante das áreas rurais e o excesso de iluminação gerado pelas grandes cidades.
O caso das abelhas é particularmente apavorante. Elas são os agentes mais eficazes e perfeitos para a polinização, frequentando quase cem tipos diferentes de culturas de alimentos. Assim como a maioria das frutas e dos vegetais – incluindo maçãs, laranjas, morangos, cebolas, cenouras –, as abelhas polinizam nozes, girassol, canola, café, soja, algodão e até alfafa, que é usada para alimentar o gado.
Sem falar nas flores, claro. Na falta das perfumadas pistas de pouso, as abelhas vêm frequentando pães doces nas padarias e copos de refrigerantes nas lanchonetes. A Apis mellifera, a abelha-europeia, veio de lá em 1827. Em 1956, com o objetivo de aumentar a produção de mel, o Brasil trouxe da África a Apis mellifera scutellata. Do cruzamento das duas resultou a abelha hoje chamada de africanizada.
Pelo mundo afora, em todas as latitudes, as diversas espécies de abelhas sentem as mudanças do ambiente. O Brasil – lógico – também já vem sendo afetado de maneira alarmante. O declínio nos EUA, de cerca de 2,4 milhões de colmeias, começou em 2006. Um fenômeno apelidado de Desordem do Colapso da Colônia (CCD) fez sumir centenas de milhares de enxames. Definitivamente, há algo de estranho no ar. Ou melhor: falta alguma coisa na ordem sagrada dos céus.