CAROL RACHE

A pandemia e os divórcios

'Relações que não sobrevivem a contextos caóticos são como prédios que não se sustentam diante de terremotos: o problema está na fundação, e não no tremor.'

Por Carol Rache
Publicado em 07 de maio de 2021 | 03:00
 
 
 
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Você ouviu falar sobre alguém que se separou depois que a pandemia começou? Os índices, de fato, apontam aumento no número de rompimentos. Mas será mesmo que a causa foi a pandemia?

Filhos em homeschooling, home office e pessoas confinadas podem ser, sim, a receita perfeita para o caos. Contudo, relações que não sobrevivem a contextos caóticos são como prédios que não se sustentam diante de terremotos: o problema está na fundação, e não no tremor.
 
Quando a estabilidade da terra firme vai embora, faz-se necessário sustentar-se em estruturas sólidas. Assim é na engenharia, e assim é no casamento. Casais que viviam em um “modus operandi” que maquiava a fragilidade da fundação viram teto voar e paredes, literalmente, desmoronarem.
 
As relações que eram sustentadas por qualquer outro motivo que não uma intenção genuína de compartilhar a vida ficaram, de fato, muito comprometidas. Aqueles que apenas “suportavam” a convivência com o cônjuge se viram obrigados a conviver sem escapes. E isso, é claro, trouxe à tona toda a poeira que o casal já empurrava para debaixo do tapete.
 
Percebe que o problema não foi a pandemia, mas sim o que ela revelou? Quantos foram os mecanismos de distração que ela impossibilitou? Muitos. E, sem estratégias de fuga, a falta de parceria, de interesse, de respeito, de paciência, de admiração e de laços genuínos ficou, para muitos, evidente.
 
Pode-se dizer que, nesse sentido, a Covid trouxe um convite. Casais foram intimados a parar, sentir, observar e avaliar. Garanto que alguns continuam se escolhendo e optaram por reforçar, com parceria e afeto, as estruturas da própria construção.
 
Outros, contudo, se viram despidos da própria ilusão e precisaram encarar a verdade sobre a própria relação. O que, afinal, não é de todo ruim. O esforço de equilibrar um prédio que não tem fundação é sobre-humano. Muitas vezes, é melhor mesmo assumir a desconexão e aceitar a demolição.
 
A intenção dessa reflexão não é enobrecer os pares que se sustentaram ou julgar os que se desfizeram. Ficar nem sempre é sinal de saúde, e partir nem sempre é sinal de fracasso.
O que nos faz verdadeiramente nobres é a nossa capacidade de autorrevisão. Jogar as falhas da nossa construção na conta da pandemia é transformar a vida real em pura ficção. Não é necessário terceirizar. Pelo contrário, é preciso se apropriar. Apropriar-se da responsabilidade, apropriar-se das negligências, apropriar-se da própria cegueira ou, simplesmente, apropriar-se da variação dos afetos.
 
Relacionamentos nascem da interação entre os envolvidos. E é ali, também, que morrem. Não tem terremoto que derrube um prédio estável, mas não tem, também, sentido em sustentar um edifício abandonado.
 
Somos livres para poder reforçar o que construímos ou para desenhar novos projetos. O fundamental é que saibamos ficar pelas motivações certas ou justificar a saída com razões honestas.
 

Jogar na conta da pandemia é se esquivar do protagonismo e da responsabilidade que se desempenha dentro dessa dinâmica chamada “casamento”. Quem se apropria dessa responsabilidade cresce. E quem foge dela se ilude.

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