Gaudêncio Torquato

Um novo iluminismo

Ou respeitamos a ciência ou cairemos na vulgaridade


Publicado em 23 de maio de 2021 | 03:00
 
 
 
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A humanidade vive um dilema: resgatar os paradigmas da ciência, da razão, do humanismo ou derrubar os ideais do iluminismo, dando impulso aos tribalistas, com sua visão retrógrada, autoritária, culto ao passado e desprezo pelos avanços proporcionados pelo conhecimento.

Norberto Bobbio, em “O Futuro da Democracia”, já alertara sobre a era da insídia, das ciladas, fortalecida com promessas não cumpridas pela democracia, e aponta para a necessidade de um “novo contrato social, capaz de administrar as paixões do indivíduo, regular e coordenar seus interesses e satisfazer suas necessidades”.

A sociedade global procura uma bússola. A credibilidade nas instituições desabou. A harmonia na tríade do Poder vive tensões intermitentes. Basta ver o Brasil, onde o Executivo é criticado por abuso da caneta, o Legislativo não cumpre suas funções e o Judiciário é acusado de legislar.

Pressupostos de igualdade, justiça, elevação da cidadania, transparência dos governos, combate à corrupção e à violência estão muito aquém das metas prometidas pelas democracias. Nesse vácuo floresce o neopopulismo, forma rasteira de governantes adotarem políticas de agrado das massas, mesmo que inviabilizem no longo prazo o equilíbrio administrativo e financeiro do Estado.

Estamos distantes da paz e da felicidade. Conflitos se multiplicam ou se repetem, disputas por território matam civis inocentes, como no conflito entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza. É o paradigma do “puro caos”, como descreve Samuel Huntington em “O Choque das Civilizações”: a quebra da lei e da ordem, Estados fracassados, anarquia crescente, onda global de criminalidade, imigração e deportação, debilitação da família, cartéis de drogas, declínio da confiança e da solidariedade.

Panorama propício para “salvadores da pátria”, falsos heróis que se abastecem da réstia de esperança de populações miseráveis. Ante economias incapazes de prover milhões de famílias, avolumam-se pacotes assistencialistas, criando eterna dependência. Como diz José Murilo de Carvalho, uma “estadania” em contraposição à cidadania.

O “bolsismo” torna-se política de Estado, pois não interessa ao maquiavelismo de muitos governantes a autogestão dos cidadãos. Cooptam as massas com migalhas, ainda mais com o sofrimento imposto por pandemias. Para agravar a situação, a competição eleitoral começa muito antes do tempo, desviando recursos para ações não prioritárias e abrindo as filas de pedintes.

Pois é o que se vê na paisagem. Os mortos pela Covid-19 beiram os 450 mil, logo chegando a meio milhão. Responsabilidades viram jogo de “esconde-esconde”. O povo clama por vacinas, a floresta amazônica pede socorro, um ministro de Estado é acusado de ajudar as madeireiras, a imagem internacional do Brasil vai à lona, tudo sob a égide do comando maior do país.

A hora chegou. Ou resgatamos a moralidade ou o país afunda no pântano. Ou respeitamos a ciência ou cairemos na vulgaridade. Ou resgatamos os valores do humanismo, ou o nosso habitat será o da barbárie. Evitemos a síndrome do touro - pensar com o coração e arremeter com a cabeça. Hora de cantar um hino à racionalidade.

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