De tempos em tempos surgem artimanhas elaboradas por construtoras gananciosas para obter lucro abusivo por meio de documentos redigidos maliciosamente. A novidade é a distorção da taxa de enxoval, também conhecida como “mobília coletiva”, que sempre foi destinada à compra dos utensílios e móveis que equiparão a portaria e as áreas de lazer. De maneira inacreditável, há construtora inserindo na cobrança dessa taxa equipamentos, acabamentos e obras que são de sua própria obrigação, pois fazem parte da edificação e não se enquadram como mobiliários (cadeiras, mesas, equipamentos de ginástica) ou utensílios (tapetes, cestos de lixo, aparelhos de som e de cozinha, tampas de sanitários), que efetivamente compõem a taxa de enxoval.
Aproveitando-se do costume das pessoas de não ler atentamente os contratos e o memorial descritivo, que detalha as características dos apartamentos vendidos na planta, há construtor enganando os consumidores de maneira afrontosa. É óbvio que, se a construtora anuncia que o edifício terá gás e água individualizada, piscina aquecida, ponto de recarga para bicicletas e automóveis elétricos, jardins e salão de festas refrigerado e com isolamento acústico, consiste numa ilegalidade cobrar à parte pelos medidores de gás e água, pelo aquecedor da piscina, pelos carregadores/wallbox, pelos aparelhos de ar-condicionado e pelos revestimentos no teto e nas paredes para isolar o som e pelo projeto de paisagismo ou pelos painéis decorativos, já que não pode entregar as paredes no reboco.
A cobrança excessiva da taxa de enxoval tem ocorrido também em edifícios de alto padrão. Por saber que os compradores estão felizes e ansiosos para receber as chaves, o construtor, na assembleia de entrega do empreendimento, os constrange de maneira a evitar questionamentos sobre a cobrança audaciosa por acabamentos das áreas comuns e até por obras civis. Será que eles compraram apartamentos populares ou estão sendo enganados? A resposta é simples: basta ver os folders e verificar que a maioria dos compradores nunca imaginaria ter que arcar, à parte, por revestimentos/acabamentos que são de responsabilidade das construtoras, que na sua maioria respeitam a inteligência dos consumidores.
Se a moda pega, daqui a pouco haverá construtora cobrando à parte pelos pisos e revestimentos dos banheiros e cozinhas, alegando que estes são decorativos e que não fazem parte do preço do apartamento. Dá lucro lesar quem não reclama.
Essas manobras geram ganhos astronômicos, pois a taxa, que às vezes supera R$ 30 mil, é multiplicada por dezenas e até centenas de unidades, razão que impõe aos compradores que se unam na contratação de assessoria jurídica especializada para evitar esse prejuízo.
Somente sob a coordenação de um advogado experiente conseguirão ser respeitados e invalidar documentos abusivos, tendo assim melhor condição de cobrar também a reparação dos vícios de construção e demais direitos que se perdem diante da postura ingênua.
Kênio Pereira é advogado e diretor regional da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário