Causa perplexidade a engenhosidade de alguns construtores que têm se utilizado de diversos contratos complexos, incluindo o modelo conhecido como “Sociedade em Conta de Participação” (SCP), para prejudicar compradores de unidades hoteleiras. 

Empresas como a incorporadora Maio e a construtora Paranasa têm atuado como se fossem proprietárias de edifícios vendidos ao designar os compradores – verdadeiros proprietários – como sócios ocultos em uma SPC criada e administrada pelos próprios sócios da construtora e da incorporadora. Além disso, eles incluem cláusulas de arbitragem em São Paulo com custos de até R$ 500 mil, com o intuito de evitar que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) julgue essa situação abusiva.

Os compradores, verdadeiros consumidores, assinaram inúmeros anexos ao contrato de compra e venda, sem compreender a complexa armadilha legal que anula seus direitos de proprietários, colocando-os como meros espectadores. A construtora, de maneira hábil, posicionou-se como “sócia ostensiva”.

Assim, ela pôde vender e faturar centenas de milhões de reais, ao mesmo tempo em que estabeleceu uma locação perpétua do imóvel para si mesma. Essa manobra possibilita vender as unidades hoteleiras sem entregar a propriedade, garantindo lucro contínuo e marginalizando os compradores a uma parcela residual dos rendimentos.

Adicionalmente, os proprietários são impedidos de expressar opinião e de exercer direito de fiscalização fundamental para saber se o aluguel a receber é o efetivamente devido. O Ministério Público se torna essencial para proteger esses consumidores prejudicados pela estratégia maliciosa, pois a SPC age contra eles ao impor uma renovação de contrato eterna.

A operadora hoteleira paga um aluguel em percentual do lucro da operação, isto é, após deduzir seu lucro e todas as despesas possíveis e impossíveis. É relevante notar que a SPC não exerce supervisão, tampouco permite que os “proprietários” das unidades hoteleiras exerçam qualquer fiscalização, o que reduz o aluguel.

Milhares de compradores clamam pela intervenção do Ministério Público. Esses “construtores do mal” têm lucrado por meio de um emaranhado de contratos e jogadas que geraram processos, inclusive criminais, como o noticiado pelo site do TJMG, que determinou o recolhimento dos passaportes deles conforme a matéria “TJMG aplica medidas cautelares a empresários” e o artigo “A não entrega de moradias”, de minha autoria, publicado no portal O Tempo.

Diversos edifícios ficaram anos sem pagar nada para os compradores, e outros, após diversas reclamações, recebem apenas 30% do que foi prometido. Os descontos abusivos de despesas são solenemente ignorados pelos donos da construtora – controladores da tal SCP que tudo administra de maneira perpétua, mesmo contra a vontade dos reais donos, no caso, os compradores. Diante desse cenário inacreditável, cabe ao Ministério Público salvar as vítimas.

Kênio Pereira é advogado e diretor regional da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário