KÊNIO PEREIRA

Negócio de alto risco

Nova lei não protege o comprador


Publicado em 06 de junho de 2019 | 03:00
 
 
 
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O lobby das incorporadoras e construtoras venceu ao conseguir aprovar a Lei dos Distratos, nº 13.786, de 27.12.2018, que visou basicamente derrubar a jurisprudência que as condenava pelos abusos e ilegalidades praticados contra os compradores. A partir de 2019, se tornou mais arriscado adquirir unidades na planta com a lei elaborada para proteger as incorporadoras, que passaram a poder cobrar multas de até 25% sobre o valor pago pelo comprador, podendo chegar a 50% no caso do empreendimento protegido pelo patrimônio de afetação. Além das multas, no caso de o comprador desistir, terá que pagar também a comissão de corretagem, fato novo, pois a maioria das decisões do STJ estipulava a multa em 10%, sendo que em raros casos ela era estipulada em até 25% justamente para abranger o pagamento da comissão.

Na prática, a nova lei possibilita que o comprador possa perder até 70% do que pagou. Entretanto, quanto à construtora, inexiste multa se ela se arrepender. Em caso de atraso na entrega da obra, pagará apenas 1% ao mês sobre o valor pago, o que se mostra irrisório diante do fato de, geralmente, o comprador pagar em média 20% do valor do bem. A construtora, ao descumprir o prazo da obra, receberá a correção (CUB ou INCC) sobre os 80% do saldo a ser pago, sendo esse valor da correção muito maior que a quantia recebida pelo comprador em caso de indenização mensal pelo atraso.

Diante desse desequilíbrio, restará ao comprador entrar com outro processo. Isso porque, para o empresário que não honra o contrato, a multa é de 1%, e, para o comprador, parte mais frágil da relação, a penalidade é de até 70%!

Ficamos estarrecidos com recentes palestras promovidas pelos construtores, tendo como conferencistas seus próprios advogados, aqueles que tinham fracassado ao não emplacar um “pacto do diabo”, com aberrações contra a boa-fé e o CDC.

Justificam a criação da Lei 13.786/2018, alegando que os compradores geraram insegurança no mercado, pois muitos foram aventureiros que só queriam lucrar ao comprar várias unidades e que, por isso, deveriam ser punidos. Qualquer profissional do mercado sabe que os milhares de ações que abarrotaram o Judiciário decorreram dos atrasos das obras pela não entrega de apartamentos não construídos, tendo os terrenos sido retomados pelos permutantes, e, ainda, pela postura de o construtor se recusar a devolver o que recebeu dos compradores, sendo que muitos desviaram os recursos para outros negócios. Foram esses milhares de processos que motivaram a Súmula 543 do STJ, que garante ao consumidor a restituição imediata das parcelas pagas à construtora em caso de resolução do contrato. Mas, na nova lei, essa devolução pode demorar anos, sendo que também não tem multa caso o construtor não devolva o crédito do comprador e o force a ir ao Judiciário. Portanto, mentiram ao afirmar que a nova lei reduziria os processos judiciais.

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