Estefanía Suárez/Latinoamérica21
A inflação alimentar deixou de ser apenas um fenômeno econômico para se tornar uma preocupação urgente de saúde pública. Do ponto de vista da epidemiologia nutricional, ela é reconhecida como um determinante estrutural da má-nutrição, com efeitos visíveis e alarmantes: milhões de pessoas no mundo comem pior, menos ou simplesmente não comem. E isso causa doenças e mortes.
Segundo o relatório O estado da segurança alimentar e da nutrição no mundo 2025, elaborado pela FAO, FIDA, OMS, PMA e UNICEF, 34 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe enfrentaram a fome em 2024. Este número representa 5,1% da população regional. Embora o dado seja melhor do que os 6,1% registrados em 2020, a insegurança alimentar continua presente tanto nas zonas rurais como nas urbanas.
Da mesma forma, a prevalência de insegurança alimentar moderada ou grave na região afeta um quarto da população, ligeiramente abaixo da média mundial. Ademais, o número de pessoas que não podiam pagar por uma dieta saudável diminuiu ligeiramente, assim como o indicador de inacessibilidade de alimentos saudáveis. No entanto, esses avanços são frágeis diante da pressão inflacionária, que ameaça reverter as conquistas alcançadas na região nos últimos anos.
Inflação alimentar: uma pressão persistente sobre a segurança nutricional A recente inflação alimentar agravou os riscos para a saúde nutricional, especialmente nos setores mais vulneráveis. Em 2024, a América Latina e o Caribe registraram o custo mais alto do mundo para uma dieta saudável, sendo este de US$ 5,16 em paridade de poder de compra (PPC) por pessoa por dia. Este dado reflete como o aumento dos preços restringiu o acesso a alimentos frescos e nutritivos, aumentando o risco de emaciação infantil, atraso no crescimento e outras formas de má-nutrição.
À medida que os custos na cadeia alimentar de produção, transporte e armazenamento aumentam, dietas saudáveis baseadas em frutas, vegetais, legumes e proteínas magras tornam-se inacessíveis para milhões de pessoas. Em vez disso, proliferam dietas monótonas e com alto consumo de produtos processados e ultraprocessados, que são de baixo custo e baixo valor nutricional. Essa tendência piora os indicadores de saúde pública e contribui para a dupla carga da má-nutrição: a coexistência de desnutrição e obesidade nos mesmos territórios, lares ou mesmo indivíduos.
Má-nutrição materna e desigualdade de gênero
A má-nutrição não afeta todas as pessoas da mesma forma. As mulheres em idade reprodutiva enfrentam um risco nutricional maior, e a inflação alimentar aprofunda essa desigualdade estrutural. Em contextos de crise, as famílias tendem a priorizar a alimentação dos homens ou dos filhos, relegando as mulheres e meninas a dietas mais pobres, perpetuando um ciclo de má-nutrição, exclusão e desnutrição feminina.
O impacto é maior em países com alta desigualdade de renda, proteção social fraca e acesso limitado a recursos. As mulheres rurais são especialmente vulneráveis devido à sua participação limitada no emprego formal, acesso insuficiente a serviços de saúde, pouca educação nutricional e falta de redes de apoio comunitário. Essa situação compromete não apenas sua saúde individual, mas também a gravidez, o desenvolvimento fetal, o parto, a amamentação e a saúde infantil durante os primeiros mil dias de vida.
Causas estruturais da insegurança alimentar
Para lidar com a inflação alimentar de forma eficaz, é essencial compreender suas causas estruturais. Entre os principais fatores, destacam-se dois eventos recentes de impacto global: a pandemia da COVID-19 e a guerra na Ucrânia. Ambos provocaram interrupções nas cadeias de abastecimento, escassez de insumos, aumento dos preços dos fertilizantes e combustíveis e aumento dos custos logísticos. Esses efeitos foram sentidos de forma desigual em diferentes regiões, agravando as desigualdades pré-existentes.
A isso se somam fenômenos climáticos extremos, como secas e inundações, que afetam a produção agrícola e elevam os preços dos alimentos básicos. Na região, esses fatores se combinam com sistemas agroalimentares frágeis, marcados pela baixa diversificação de culturas, dependência de importações, perda de variedades nativas e mercados altamente concentrados.
Também influenciam a falta de infraestrutura, o acesso limitado à água potável, a escassa educação alimentar, o baixo investimento público em nutrição e as políticas agrícolas orientadas para a exportação, em vez do consumo local.
Essas condições encarecem os alimentos saudáveis e restringem as opções alimentares, favorecendo padrões alimentares pouco saudáveis: dietas calóricas, baseadas em produtos industrializados e pobres em micronutrientes essenciais, como ferro, vitamina A e zinco.
É hora de agir
A inflação alimentar representa uma ameaça crescente à saúde pública. Não se trata só de acesso a calorias, mas do direito humano a uma nutrição adequada, equitativa e sustentável. Para milhões de pessoas, cada refeição implica escolher entre quantidade e qualidade, alimentando um panorama preocupante de má-nutrição: desnutrição, carências de micronutrientes e doenças crônicas não transmissíveis.
Para enfrentá-la e prevenir crises futuras, o relatório recomenda a aplicação de políticas focadas e coordenadas. É fundamental proteger as populações vulneráveis por meio de subsídios temporários ou programas de proteção social bem elaborados, com objetivos claros, estratégias de saída definidas e mecanismos de acompanhamento que garantam sua eficácia.
Também é fundamental harmonizar as políticas fiscais e monetárias que geram um ambiente econômico estável. Uma gestão coerente, com políticas monetárias confiáveis e gastos públicos estratégicos, pode estabilizar os preços, reduzir a volatilidade e fortalecer a segurança alimentar.
Além disso, são necessárias medidas estruturais e comerciais de longo prazo, com impactos sustentáveis, como fortalecer as reservas estratégicas de alimentos, melhorar a transparência e a concorrência nos mercados e investir em infraestrutura logística, agricultura climaticamente inteligente e sistemas de informação agroalimentar confiáveis.
Por fim, é fundamental investir em sistemas agroalimentares resilientes, inclusivos e sustentáveis. Isso inclui apoiar a produção local de alimentos nutritivos, promover a diversificação agrícola, recuperar culturas tradicionais, melhorar o armazenamento e o
transporte, fomentar mercados locais e apostar na inovação tecnológica para aumentar a produtividade sem comprometer a sustentabilidade ambiental.
A inflação alimentar é um sinal de alerta que exige respostas urgentes, políticas integradas e compromisso multissetorial. Garantir o direito a uma alimentação digna, segura e saudável para todos não é apenas um desafio técnico, mas um imperativo ético e político inadiável.
(*) Estefanía Suárez é nutricionista e dietista pela Universidade de Azuay (Equador). Mestrado em Epidemiologia pela Universidade Autônoma de Madri e em Agroindústria com especialização em Qualidade e Segurança Alimentar pela Universidade das Américas (Equador).
Tradução automática revisada por Isabel Lima