Laura Medioli

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Laura Medioli é escritora e presidente da Sempre Editora, responsável pela publicação dos jornais Super, O TEMPO e O Tempo Betim, além da rádio FM O TEMPO e do portal O TEMPO. Formada em estudos sociais, Laura já atuou como professora e se dedica de forma intensa hoje à causa da proteção animal.

LAURA MEDIOLI

Salomé

Virei fã da Salomé, senhora humilde que, após um dia exaustivo de trabalho, costumava ir ao ginásio de Contagem, provavelmente distante de onde morava. Ela e sua raposinha, somente para ver o Sada Cruzeiro jogar

Por Laura Medioli
Publicado em 15 de dezembro de 2019 | 03:30
 
 
 
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Da cadeira do ginásio do Riacho, em Contagem, de onde assisto aos jogos do Sada Cruzeiro, procurava, na arquibancada, aquela figura extravagante, com seus longos cabelos, mesclados de branco e louro, e sua raposa de pelúcia. Costumava sentar-se sempre no mesmo lugar – empolgada e empolgante –, já conhecida pelos torcedores celestes.

No dia em que ela se atrasava, eu ficava preocupada: cadê a dona da raposa? Bastava dizer isso que todos sabiam a quem me referia. E ela sempre aparecia com sua camisa azul, a face marcada pelo tempo e pela vida. De onde vinha? Não fazia ideia. Mas gostava da presença constante daquela senhora diferente, divertida e apaixonada.

Até que um dia, indo ao treino do meu time de vôlei, na sede do clube, no Barro Preto, vi ao longe os mesmos cabelos tingidos, as unhas pintadas de azul…

– Será??? – perguntei-me, curiosa, até perdê-la de vista.
Subi ao centro de treinamento, e a primeira pergunta que fiz foi:

– A mulher da raposa trabalha aqui? – Descobri que sim e também que seu nome era Salomé, antiga faxineira do clube.

Adoro figuras assim. Torcedores folclóricos que fazem a diferença. Virei fã da Salomé, senhora humilde que, após um dia exaustivo de trabalho, costumava ir ao ginásio de Contagem, provavelmente distante de onde morava. Ela e sua raposinha, somente para ver o Sada Cruzeiro jogar.

Com o tempo, fui a conhecendo melhor. Há oito anos escrevi uma crônica em que metade do texto se referia a ela. Salomé, definitivamente, não passava desapercebida.

Até que, recentemente, numa manhã chuvosa de terça-feira, recebi a notícia de que ela havia morrido. E me veio a sensação do quão frágil é a nossa existência. Na semana passada, no ginásio de Betim, em que o Sada Cruzeiro disputava o Mundial de vôlei, ela era alegria pura. Os jogos terminavam tarde da noite, e eu ficava pensando nas dificuldades que uma senhora de 86 anos encontrava para chegar e sair dali. Morava em Belo Horizonte, trabalhava o dia inteiro e, mesmo assim, entre chuvas e trovoadas, ela chegava.

De longe, podia vê-la nas arquibancadas. Sorrindo, animadíssima, levantando-se o tempo todo, abraçada a sua raposinha, para comemorar os pontos de seu time.

Difícil imaginar que, menos de uma semana depois, aquela chama de alegria e vivacidade, que tanto nos impressionava, se apagou.
Suas fotos, naquele dia, estiveram estampadas em todos os jornais e redes sociais do país, principalmente em Minas. Afinal, havia morrido a torcedora-símbolo do Cruzeiro. Não apenas do futebol e do vôlei, mas de uma legião de admiradores que viam nela um exemplo de força, alegria e disposição.

Alguns questionaram o porquê de se dar tanto espaço na mídia a uma senhora que, como tantos, devido a problemas cardíacos, veio a falecer.

Quem questiona provavelmente não entende que, quando pessoas feito ela morrem, morre junto a maior prova de que, no ocaso da vida, é possível existir otimismo, bom humor, alegria, determinação e, acima de tudo, paixão!

Descanse em paz, Salomé.

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