A Bel é maluca, cheguei à conclusão. Me tira em plena aula de inglês para acudi-la numa emergência. Quis saber do que se tratava, mas ela estava histérica demais para conseguir explicar alguma coisa. Larguei o professor falando sozinho e corri para a casa dela. Chegando lá, fui saber da história.
– Lembra-se da minha prima de Campinas? Aquela meio intelectual, doutora não sei das quantas, que vive dando palestras no exterior?
Claro que eu me lembrava! Achava lindo quando ela trocava de roupa na nossa frente e ficava de sutiã com aqueles peitos enormes, enquanto nós, para parecermos “gente”, colocávamos algodão nos minúsculos sutiãs menina-moça. Sim, eu me lembrava bem. Era até meio chatinha, não era? Perguntava à minha amiga, até ser interrompida pela própria – a chatinha dos peitões. Entrou na sala esvoaçante, poderosa, de salto e oclinhos intelectual chique. Veio participar de um congresso, hospedou-se na casa da Bel e trouxe a filha de 3 anos. Pelo que entendi, a babá adoeceu de última hora e não pôde vir. Dona Lourdes, mãe da Bel, tinha ido a Ouro Preto com as Amigas da Cultura, e a dona Coralina, sofrendo de osteoporose, não veio trabalhar. Portanto, adivinha QUEM sobrou para tomar conta da menina? A Bel, claro! E, pelo jeito, QUEM mais? Tudo bem; amiga é mesmo para essas coisas; o problema é que eu, nos meus 12 anos incompletos, não fazia a menor ideia de como cuidar de uma quase bebê. E muito menos a Bel, naturalmente. A menina se chamava Larissa, era uma coisinha pequena e engraçadinha.
Antes de sair, a prima ficou 45 minutos explanando sobre as alergias da filha, que, segundo ela, era alérgica a pó, pelo de cachorro, picada de pernilongo e sei lá mais o quê. Depois, mais uma hora nos explicando sobre a água que a menina deveria tomar: mineral, natural, de garrafa. Não; não poderia beber água de filtro como nós, simples mortais. A seguir, uma “conferência” sobre bicos: o perigo de um bico cair ao chão e ir para a boca da Larissa sem ser fervido.
Continuando: o pipi da Larissa. Segundo a prima, a Larissa já faz pipi no peniquinho, mas, como tinha se esquecido do peniquinho, poderia usar o vaso, desde que prestássemos atenção no tampo. Se não estivesse limpíssimo, era para forrarmos com papel higiênico. Então, tá.
Depois passamos às mamadeiras. Pânico total! Sucos de fruta naturais, temperatura ambiente, leite previamente fervido, nada de açúcar ou produtos industrializados.
Quando, finalmente, nos vimos livres da mãe, pegamos a Larissa e fomos folhear revistas e livros da estante. Aí nos lembramos de que ela não pode com poeira, e os livros da estante... já viu. Ligamos a TV, que, aliás, ela adorou! Mas aí nos lembramos do sermão: “Televisão nem pensar! Deseduca e faz mal à vista”. Então, tá. Quem sabe um brigadeiro feito na hora... nada! Tinha que ser frutinhas, nada de doces.
De repente, a menina começou a chorar querendo a mãe, o ursinho de pelúcia que esqueceu em casa, fazer xixi e tomar água. Tudo ao mesmo tempo e aos berros. Enlouquecemos. Já exaustas, resolvemos fazer do nosso jeito. Nisso o bico já tinha caído no chão milhões de vezes e, no desespero, devolvíamos rapidinho, antes que ela nos estourasse os tímpanos. A Bel ficou preocupadíssima com os bicos sem ferver: “Já pensou se a menina pega uma infecção de bico sujo?”
Fazer o quê? Como é que menino de rua não tem dessas coisas? Chegamos à conclusão de que tudo isso era frescura de mãe neurótica. Quer saber? Essa menina vai ter os melhores momentos de sua vida, decidimos. Dito e feito. Soltamos o Sheik, que já não aguentava mais ficar preso, ligamos a TV, fizemos brigadeiro, pipoca, os diabos! Foi questão de minutos para ela parar de chorar. Gostou mesmo foi de rolar com o Sheik no tapete. Pelo visto, nunca tinha visto um cachorro de verdade na vida. Também ADOROU brigadeiro! Lambuzou-se até o último fio de cabelo. Ria tanto que acabou fazendo xixi no tapete. Pegamos uns lençóis velhos e fizemos cabaninhas com cadeiras espalhadas. Sucesso! Era a criaturinha mais feliz do mundo. Mas, como tudo que é bom dura pouco, acabamos sendo interrompidas pelo telefone: “E aí, meninas? Tudo bem com a minha filhinha? Ela já mamou? Já tomou suquinho?”
Pânico total. Assim que desligamos, telefonamos para o Beto, vizinho da Bel. “Beto, pelo amoooooor de Deus, corre na padaria e compra uma garrafa de água mineral. É pra AGORA, entendeu?”
Claro, não entendeu nada, mas, na dúvida, fez o que pedimos. “Trouxe a mais geladinha que encontrei!”, disse com entusiasmo.
Ai, ai! Então, tá. Vimos que teríamos pouco tempo para pôr a casa em ordem, ou melhor, a Larissa em ordem, se é que isso era possível. Começamos pelo cabelo, embaraçado de brigadeiro até o último fio. Enfiamos a menina na banheira, passamos xampu, meio litro de creme rinse, e nada. Mais grudado que aquilo, impossível. O Beto sugeriu que usássemos a tesoura, ao menos para os fios mais comprometidos. Falei que era loucura, mas, após 20 minutos de tentativas, acabamos cedendo às tesouradas. Descobrimos que a profissão de cabeleireira não era o nosso forte quando, perplexas, vimos os vários “caminhos de rato” que deixamos na cabecinha da menina. A Bel, em desespero, tentou localizar a mãe em Ouro Preto, e nada; dona Lourdes só chegaria à noite. Enquanto nos encarregávamos do cabelo, o Beto cuidava da bagunça, a começar pelo Sheik, que, injuriado, voltou ao quintal. Nos lembramos da água gelada, imediatamente trocada pela da pia. Corríamos contra o relógio. Nisso a água da banheira já estava fria, a menina espirrava, o secador havia desaparecido, um caos!
Resumindo: quando a mãe chegou, a casa estava impecável, a TV, desligada; a banheira, vazia; nós, destruídas; e a Larissa, feliz da vida, com um superboné na cabeça, corria para abraçá-la.