O Xanadu mudou de lugar, não de proposta. O novo estabelecimento tem localização mais escondida, menos comercial. Em compensação, apresenta melhores condições para estacionar, se é que isso pode ser dito sobre qualquer ponto da região central. Fica na rua Aimorés, entre Olegário Maciel e Rio Grande do Sul, perto do ex-cinema Usina e do BOM Cantina Piacenza, do meu amigo e chef Américo, que encontrei casualmente e me mostrou onde ficava o vizinho. Convidei-o para ir comigo. e ele topou.

Tivemos um almoço agradável, regado a divagações sentimentais, gastronômicas e ao vinho verde português que ele incluirá brevemente na sua carta, o qual merece degustação, principalmente na companhia de pescados. A R$ 50 ou R$ 60 será excelente pedida, penso.

Mas passemos ao Xanadu. Suas instalações são menores que antes. Elas ocupam agora o andar térreo de prédio comercial, em vez de uma casa, coisa que se vai tornando tão difícil de achar quanto estacionamento na rua. Pena. O ambiente é modesto e desprovido de charme, embora novinho, limpo, arejado e com o mínimo de conforto indispensável. A clientela segue numerosa, em atenção ao cardápio econômico e à cozinha honesta, que fazem do Xanadu um restaurante REGULAR.

Quando entro em um restaurante, gosto de discernir exatamente o que posso esperar dele. E ali sei que posso contar com uma comidinha saborosa, encorpada, ingredientes de qualidade, sem expectativa de ineditismo, criatividade ou apuro estético.

O atendimento revela certa displicência, mas não chega a comprometer, porque a comida chega à mesa com rapidez e presteza. O gratinado misto de camarões e lagostas, a R$ 85, serve com fartura duas pessoas, acompanhado de guarnições de batata cozida, passada na manteiga e polvilhada de ervas, mais arroz de brócoles correto. Pescado de qualidade, bom tamanho, consistência adequada, nem falta nem excesso de sal ou gordura. Com entorno de catupiry, o prato vem do forno quentinho e cheiroso, crosta crocante e morena. É evidentemente prosaico e justifica censura gastronômica, pois convenhamos que pescado e queijo não rimem e essa é uma verdade quaaase absoluta. Mas na boca da maioria - eu sei pertencer a ela, de vez em quando, pelo menos - a mistura faz absoluto sucesso. Isso dá pano pra manga na polêmica com o chef.

Afinal, assim como acontece com os filmes, as músicas, os livros e qualquer outra criação cultural, a culinária pode fazer sucesso de público, ainda que não conquiste a crítica especializada ou os paladares mais sutis. Por que exatamente isso ocorre? É um enigma difícil de decifrar. Talvez por ostentarem elementos como a previsibilidade, ou por remeterem a combinações primárias, básicas e não necessariamente harmoniosas.

Eu brincava com Mônica, minha ex-esposa, que para agradá-la qualquer prato devia ter um que de cremoso, capaz de lembrar o peito da mãe. E de fato, há muita gente que aprecia leite, creme de leite ou catupiry misturados ao que quer que seja. Mas há igualmente cozinheiros que tornam onipresentes alcaparras, endívias ou mussarela de búfala. E garotos que só comem sanduíches, pizzas e arroz com feijão, se previamente besuntados de maionese ou ketchup. Tudo isso tem sua graça, conforme a ocasião e a frequência de uso.

Moda nas décadas de1970 e 80, o gratinado de camarão ao catupiry sofreu nos anos 90 a reação natural e justificável dos chefs de boa formação, ciosos das propriedades e impropriedades de cada combinação. Mas de vez em quando dá vontade de comer, ah, isso dá. Assim como ocorre com a sopa de feijão, macarrão e batata, puro pleonasmo de carboidratos! Ou com o estrogonofe, que do ponto de vista nutricional é um casamento equivocado, já que leite e carne se repelem, dificultando a plena absorção de seus nutrientes.

Aliás, por falar em pratos prosaicos, tradicionais e fora de moda, parece que surgiu um restaurante na Savassi especializado neles. Acho que se chama Storica Grill. Vou lá noite dessas, para experimentar um filé à parmigiana ou um talharim à parisiense, inincontráveis, aliás, em Parma e Paris. Pensando bem, pra esses a Cantina do Lucas e a Casa dos Contos já são boas referências. Vou procurar é um filé à Osvaldo Aranha, fácil de achar no Rio e em São Paulo, mas não aqui.

Quando eu era criança, um colega adorava passar chocolate em pó e manteiga no pão. Isso me repugnava quase tanto quanto ver meu avô misturar doce de leite no prato de comida, entremeando uma garfada aqui, outra acolá. Viva a diversidade e a ruptura dos paradigmas. Gosto se discute. Com gosto e alegria.