LEONARDO BOFF

Por que Deus não usou seu poder e acalmou o furacão Matthew?

A dor não escreve o último capítulo da história, mas a vida


Publicado em 14 de outubro de 2016 | 03:00
 
 
 
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Quando vemos nas primeiras páginas dos jornais a devastação que o furacão Matthew provocou agora em outubro, nos perguntamos angustiados: “Deus, onde estavas naquele momento em que a fúria assassina do furacão Matthew se abateu sobre o Haiti e os Estados Unidos? Por que não usaste teu poder para amainar a virulência destruidora daqueles ventos e daquelas águas inimigas da vida? Por que não intervieste se podias fazê-lo?”

“Nem sequer permitiste aos haitianos tempo suficiente para se recuperarem da devastação que significou o terremoto de 2010. Por que agora enviaste outro látego para açoitar e matar?”

“Tu bem sabes, Senhor: o povo haitiano é um dos mais pobres do mundo. Negros, conheceram todo tipo de discriminação. Foram oprimidos por ditadores ferozes. Tudo sofreram, tudo suportaram. Não desistiram. E eis que, de novo, foram açoitados pela natureza rebelada. Onde está tua piedade?”

Não entendemos os desígnios dAquele que se revelou como Pai de infinita bondade. Ele pode ser Pai de uma forma misteriosa que não conseguimos compreender. Muito menos pretendemos ser juízes de Deus. Mas podemos, sim, gritar como Jó, Jeremias e Jesus, que clamou: “Meu Deus, por que me abandonaste?” (Marcos 15,34).

Nossos lamentos não são blasfêmias, mas um grito humilde e insistente a Deus: “Desperta! Não te esqueças da paixão daqueles que atualizam a Paixão de teu Filho bem-amado”.

Seguramente, as invectivas de Jó contra Deus por causa do sofrimento incompreensível, e as lamentações de Jeremias vendo Jerusalém conquistada, foram incluídas no rol das escrituras judaico-cristãs para que nos servissem de exemplo.

Podemos gritar como Jó e nos lamentar como Jeremias. Mais ainda, podemos, no limite do desespero, bradar como Jesus na cruz, experimentando o inferno da ausência do Deus que sempre o chamava de “Abba”, “meu querido paizinho”. E Ele silenciou e não o livrou da morte na cruz.

Semelhante lamentação como a nossa expressou de forma comovente o papa Bento XVI quando visitou o campo de extermínio nazista de Auschwitz-Birkenau, onde mais de 1 milhão de judeus e outros seres humanos foram enviados às câmaras de gás: “Quantas perguntas surgem neste lugar. Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou? Como pôde tolerar esse excesso de destruição, esse triunfo do mal?” Como nunca antes, o papa Bento XVI se mostrou um finíssimo teólogo que, como homem de fé sensível, ousou queixar-se diante de Deus.

Embora guardemos um nobre silêncio diante de tamanha dor, perseveramos na fé como Jó, Jeremias e Jesus. Jó chegou a dizer: “Mesmo que me mates, Senhor, ainda assim continuo a confiar em Ti. Antes Te conhecia só por ouvir dizer, mas agora viram-Te meus olhos (42,5)”.

As últimas palavras de Jesus foram: “Pai, em Tuas mãos entrego meu espírito” (Lucas 23,46). E Deus o ressuscitou para mostrar que a dor, mesmo misteriosa, não escreve o último capítulo da história, mas a vida em seu esplendor.

Na esperança ansiamos por aquele dia em que “Deus enxugará as lágrimas de nossos olhos e a morte não existirá, nem haverá luto, nem pranto, nem fadiga, porque tudo isso já passou” (Apocalipse 21,4).

E nunca mais haverá tsunamis, nem Katrinas, nem Matthews, porque surgirá uma nova Terra, onde o ser humano terá aprendido a cuidar da natureza, e esta nunca mais se rebelará contra ele.

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