Em tempos de quarentena

Tédio, tesoura e travessura

Uma travessura pode ser motivada pelo tédio – ou até mesmo pela vontade de ajudar

Por Luciara Oliveira
Publicado em 03 de agosto de 2020 | 03:00
 
 
 
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Dizem que o tédio tem papel importante no desenvolvimento das crianças, por potencializar a criatividade e a imaginação naqueles momentos do “nada pra fazer”. Especialmente em tempos de isolamento social e confinamento em casa.

Pois bem, foi justo nesse contexto que tudo aconteceu. Já se tinham passado uns 70 dias desde o início da quarentena, nós e as crianças em casa. Os cabelos não paravam de crescer, eu já tinha acertado umas pontinhas na frente, para não atrapalhar a visão, mas não me arriscava a muito mais, com medo de fazer um estrago. Como salões e barbearias estavam fechados, o jeito era ir aplicando a solução caseira até que a gente pudesse levar os meninos a um profissional, que daria um trato digno às cabeleiras.

Só que para o mais novo aquilo não tinha sido suficiente. Então, num desses momentos do “nada pra fazer”, ele não teve dúvida. Caladinho, sem contar nada pra ninguém, pegou uma tesoura e... pronto, estava feito. Foi o mais velho que deu o alarme:

– Mãe, o Rafinha cortou o cabelo!

No caso, a franja. Bem no meio da testa. Uma maravilha. Verdadeira obra-prima de que só as crianças são capazes.

Eu olhava incrédula os tufos de fios aloirados na lixeira do banheiro (sim, ele ainda teve o cuidado de depositar o produto da sua arte no lugar que julgou o mais adequado). Enquanto eu estava toda cheia de dedos com os cabelos dos meninos, ele foi lá e resolveu, de maneira simples e rápida. Acabando com a franja e com o tédio.

***

Minha mãe deve ter dado risada do neto sapeca. Na certa se lembrou de quando aprontei algo parecido, muito tempo antes.

Era uma dessas tardes preguiçosas dos anos 90, meio de semana.

– Luci, vai buscar a tesoura, que vou acertar sua franja.

Obedeci, mas pensei que poderia adiantar o serviço e fazer eu mesma o corte. Não deu outra: tosei o cabelo e fiquei com uma falha enorme. Bem no meio da testa.

Ela esbravejou comigo, fez aquela cara que eu conhecia bem. Mas, por dentro, certamente riu, e muito, achando graça da inocência da criança. Exatamente como eu fiz.

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