O ministro do STF Celso Mello decidiu que o melhor dia e hora para liberar à imprensa e à curiosidade pública o vídeo da reunião dos ministros de Estado e comandada, no dia 22 de abril, pelo presidente Jair Bolsonaro seria na última sexta-feira, depois das 17h, para que os fatos revelados não interferissem na estabilidade econômica, em especial nos índices da Bolsa e na cotação do câmbio. Tinha receio o decano de que o dólar subisse às alturas, o que nos últimos tempos tem alegrado fortemente os exportadores do agronegócio e de minério de ferro. Sobre a Bolsa ninguém falou, mas ela abriu ontem com 5% na valorização das ações, e o dólar com iguais 5% de baixa. Então, até positivamente se afetou a economia.
O fim de semana e a segunda-feira passamos com insistentes declarações e análises de cronistas políticos sobre os impropérios de Bolsonaro e sua claque de ministros, vários deles exagerados no puxa-saquismo para ajustarem seus sorrisos, convicções e preconceitos ao pior que o presidente já revelou em encontros formais, de terno e gravata. A reunião convocada para discutirem urgentes questões de Estado, entre elas a da Covid-19, transformou-se num festival de impropriedades, traduzidas em ameaças e bravatas, em que mais lembradas foram as mães de figuras pouco ou nada próximas do dia a dia palaciano. De Covid-19, apesar da relevância da epidemia, nada se falou.
Essas circunstâncias vêm se tornando comuns no dia a dia brasileiro. A pandemia já matou mais de 22 mil seres humanos; muitos, frutos da desassistência ou da omissão do Estado. A maior parte das nossas autoridades de saúde, por medo ou vassalagem, tromba entre si e não consegue se encontrar sequer para decidir sobre quais medicamentos devem ser prescritos para combater a doença. Já não vigiamos nem coibimos centenas de ladrões travestidos de gestores públicos que se aproveitam da ineficiência da lei para roubar descaradamente em licitações na construção de hospitais e CTIs e na compra de insumos para assistência médica, num frontal desrespeito àqueles que dão suas vidas nas frentes de trabalho para socorrer infectados. Passa da hora de ser seriamente avaliado se o isolamento social representa ou não a melhor alternativa de prevenção e expansão desse flagelo que vitima a população mundial e que no Brasil, lamentavelmente, vai crescer.
Diante de tudo isso, convenhamos: o grave naquela reunião revelada não foi o palavrório, o show de deseducação e desrespeito a A ou B ou D: é o que não foi dito, não foi considerado ou priorizado e que diz respeito ao ser humano, cidadão, que com seu trabalho e sofrimento paga essa conta e tem direito ao que espera.