Ah, o pensamento mágico... basta eu tomar aquele remédio e fico magro! Comprar aquele estimulador muscular elétrico e ficar sarado! Ou fazer aquele curso rápido de inglês e ficar fluente! Ou, quem sabe, adotar alguns ritos ágeis e aumentar absurdamente a produtividade dos desenvolvedores de meus times! O de qualquer profissional, afinal, o agilismo pode ser aplicado em qualquer esfera. Mas será mesmo que a organização fica rápida – seja lá o que isso quer dizer exatamente – porque cada membro agora é mais rápido? Vejamos.

Primeiro, a mera adoção de ritos não irá causar a transformação. Pode até ser um catalisador, um guia inicial, mas, claro, a mudança para agilidade é muito mais profunda. Ser ágil é muito mais baseado em princípios, em atitudes, do que propriamente na execução perfeita – se é que existe tal parâmetro – de alguns ritos. Interessa muito mais entender o “Heart of Agile”, como diz Alistair Cockburn – deem uma rápida escutada no Enzimas #4 de “Os Agilistas”. Mas, não é desse erro que quero tratar aqui. 

Quero tratar do segundo erro, que é a falta de visão sistêmica. Definitivamente, parece que nosso cérebro não foi treinado para usar a visão sistêmica – provavelmente, nas Savanas, não interessava muito entender bem as correlações do ecossistema, mas sim fugir rapidamente de qualquer suspeita de um leão. 

Ao ouvir o ágil, fazemos uma associação quase imediata com rapidez, e em seguida, com desenvolvimento mais rápido. E, claro, desenvolvedores mais rápidos. Então, pulamos para a conclusão que, agora, com o ágil, faremos muito mais com as mesmas equipes – ou até mesmo com menos gente. Afinal, não é essa a promessa da agilidade? 

Devo dizer que não! A promessa da agilidade não é necessariamente ficar mais rápido, mas sim mais adaptativo. Ser ágil significa ser rápido no aprendizado. Um desenvolvedor não irá codificar mais rápido, nem um arquiteto irá arquitetar mais rápido, por agora estar dentro de um paradigma ágil. Peço, então, de uma vez por todas, que acabemos com essa ilusão de que a produtividade individual será aumentada como em um passe de mágica. 

No entanto, e aqui não quero parecer confuso, é possível sim ficar mais rápido, mas do ponto de vista de times, do ponto de vista da organização, do ponto de vista sistêmico. E por que? 

Porque uma organização ágil irá reduzir “work in progress”, e ao fazer isso, automaticamente aumentará o “throughput”.  

Esses conceitos – “work in progress” e “throughput” – são centrais em Lean Manufacturing, uma filosofia de gestão baseada no combate ao desperdício e no foco na geração de valor. “Work in Progress” são todas as “coisas” que todos fazem e que ainda não foram concluídas. “Throughput” é o resultado obtido pelo que se faz, é o que importa, no final das contas.

Se lemos vários livros ao mesmo tempo – muito “work in progress” – nosso “throughput” – suponhamos, absorção do conhecimento de cada livro, é baixo. Podemos estar incrivelmente ocupados, lendo dez livros de uma vez, alternando entre eles, se confundindo... e não ter nenhum resultado!

Esse simples exemplo acontece rotineiramente nas empresas. Ninguém pode ficar ocioso, ou nem mesmo parecer ocioso – afinal, tayloristas que somos, estamos preocupados com os tempos e movimentos de cada um. Então, na  menor percepção de que alguém pode estar ficando à toa... passamos mais serviço para ele, mais “coisas” para serem feitos.

Temos, então, uma organização especializada em abrir várias iniciativas, em fazer todos parecerem muito ocupados, sempre correndo e de consciência tranquila que não estão.. tranquilos! Mas essa é uma organização que não gera throughput e, portanto, não gera resultados. Uma organização rápida para criar tarefas e ocupar as pessoas, lenta para gerar resultados.

É curioso que essa diminuição de “coisas a serem feitas” tem um efeito co-lateral bem positivo: a redução do chaveamento de contexto de cada um, permitindo mais foco e, possivelmente, trabalhar no flow  (aquele famoso estado em que nos sentimos plenamente realizados e extremamente produtivos – todos que já passaram por isso, sabem o que significa!). Nesse sentido, é possível, sim, aumentar a produtividade individual – desde que, sistemicamente, se dê sossego a cada membro do time.

Uma organização ágil desperdiça menos, pois aprende a priorizar itens que realmente fazem sentido do ponto de vista de negócio e que estão alinhados com o propósito de cada time. Faz experimentos  simples, de curto prazo, que realimentam cada time, e a organização como um todo.

Enfim, a organização fica consistente, avança continuamente rumo suas prioridades e aprende rapidamente com sobressaltos. No final das contas, a organização, como um todo, fica mais rápida sim, pois consegue entregar resultados com nunca havia experimentado anteriormente.

Mas para que isso aconteça, os líderes tem um papel chave.

Podemos ter líderes especializados em comando em controle. Líderes especializados em passar e acompanhar tarefas, e garantir que cada empregado esteja altamente produtivo (o que na maior parte das vezes se traduz em estar ocupado).

Nesse ambiente, é curioso observar todos fazendo as suas “coisas” com extrema velocidade e dedicação,  mas formando uma organização lerda, incapaz de responder às mudanças que percebe. Na verdade, incapaz até mesmo de perceber a realidade. Todos eficientes, todos batendo suas metas locais, todos muito apertados e estressados. 

Mas, para um observador externo, ainda sim, uma empresa incapaz de ser dinâmica.  

Ou podemos ter líderes servidores, com visão sistêmica.

Líderes que criam as condições para que se possa trabalhar com calma, com foco. Para que seja possível fazer alguns experimentos. Líderes que aceitem, até mesmo, um pouco de ociosidade, para que o tempo possa ser usado de forma criativa. Que criem espaço para troca de ideias, para que seja possível voltar atrás.

Líderes que fomentem uma visão de longo prazo, que avaliem as pessoas não por eventuais tropeços, mas pela jornada. Que querem as pessoas comprometidas, sim, mas entendendo que isso é possível se vivendo bem... e com felicidade! No ambiente corporativo!

E observadores externos impressionados com a capacidade dessa empresa de sentir e responder. 

Portanto, ao pensarmos no ágil, precisamos pensar nos efeitos sistêmicos, nas relações entre pessoas e times, no ambiente, na liderança. A agilidade será uma propriedade emergente, que certamente não se encontra em cada indivíduo, muito menos em indivíduos com metas locais. 

Um líder precisa ter visão sistêmica para abrir mão do controle, em prol de mais resultados. Para entender que seu papel agora é mais invisível, mais oblíquo. Que seu protagonismos em cada iniciativa diminui, que a sua influência é na rede, na estrutura, e não em cada indivíduo. É preciso ter coragem para abrir mão do poder que um líder tradicional conquista em sua trilha corporativa. E humildade.

Por isso tudo, precisamos, muito, de  líderes com visão sistêmica.