MÁRCIO COIMBRA

Liberalismo de botequim

A expectativa de que a eleição de Bolsonaro entregasse reformas liberais para o Brasil era imensa


Publicado em 01 de setembro de 2021 | 04:00
 
 
 
normal

A expectativa de que a eleição de Bolsonaro entregasse reformas liberais para o Brasil era imensa. Isto não ocorria pela crença de que o presidente tivesse se convertido de forma inconteste ao credo liberal, mas pela presença de Paulo Guedes, um filho legítimo da Escola de Chicago, no comando da economia, permitia que os liberais pudessem ao menos sonhar com uma verdadeira mudança de rumo na economia brasileira.

Passados quase três anos da posse, o sonho se tornou um pesadelo. Muitos daqueles liberais que emprestaram sua reputação ao governo resolveram abandonar a aventura. A explicação é simples. As intenções jamais se converteram em ações, e as políticas liberais jamais entraram na agenda de Bolsonaro, mais interessado em causar conflitos do que verdadeiramente construir um caminho reformista para o Brasil.

Bolsonaro chegou ao poder sem base política e preferiu escorar-se nos militares e depois apoiar-se no centrão. Jamais criou caminhos reais para a implementação de mudanças substanciais. Foram aprovadas reformas cosméticas e pequenas, mas jamais algo profundo que representasse uma guinada nas estruturas do país. A própria reforma da Previdência, desidratada, passou mais por necessidade do que convicção.

Prestes a enfrentar mais um ciclo eleitoral e de olho na reeleição, Bolsonaro rifou até os pudores. Guedes, mais apegado ao poder do que às suas ideias, protagoniza um liberalismo de auditório que sabe inflamar os militantes, mas com efetividade zero no mundo real. O outrora liberal de Chicago tornou-se um mero instrumento nas mãos de um capitão agarrado na velha política e em ideias ultrapassadas. Nada mais longe daquilo que se imaginou para o Brasil finalmente romper com as amarras do passado.

As privatizações ficaram pelo caminho, enquanto o equilíbrio fiscal tornou-se apenas uma ilusão. Os gastos sugerem uma ilusão keynesiana, e o país mergulha no atraso desenvolvimentista de outras épocas. As políticas assistencialistas já superam os anos petistas e causam arrepios em qualquer economista que tenha pelo menos visitado Chicago. Nem a Faria Lima acredita mais no antigo liberal, convertido ao populismo de ocasião bolsonarista.

A pedido de Bolsonaro, Guedes sacou da cartola um pacote chamado de Auxílio Brasil, um programa assistencialista e clientelista com vistas a asfaltar sua reeleição, que inclui auxílios como creche, esporte, inclusão produtiva (incluindo agricultura familiar), benefício compensatório no Bolsa Família, bolsas de iniciação científica e incentivo ao crédito consignado. Nunca se nadou tanto na raia petista no governo Bolsonaro.

O pacote de bondades vai além, com isenção para o diesel no próximo ano, expansão no Bolsa Família, aumento no funcionalismo, vale-gás e R$ 41 bilhões em emendas parlamentares. Afinal, se é para termos um governo de esquerda na economia, por que não seguir com o original petista ao invés de optar pelo genérico Bolsonaro?

Fato é que o liberalismo brasileiro foi apenas mais uma ilusão. Um liberalismo de botequim que passa longe de Hayek, Mises ou Friedman. A covardia de Guedes ao submeter-se ao populismo bolsonarista irá penalizar uma geração inteira de brasileiros. 

 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!