MÁRCIO COIMBRA

Tempestade perfeita

O presidente descobrirá que depois de colecionar tantos inimigos, poderá enfrentar a solidão do poder, esperando, ao invés da reeleição, o fim do mandato


Publicado em 23 de março de 2020 | 03:00
 
 
 
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A crise ocasionada pelo Covid19 vai muito além da frente sanitária. O Brasil está prestes a entrar em mais uma grave crise econômica. A recessão virá, enquanto a questão mais importante é se o país também adentrará em uma depressão econômica. Enquanto as projeções do governo apontam crescimento zero, o mercado trabalha com uma retração maior e mais significativa.

Enquanto a economia se desloca para níveis preocupantes, a frente política também não mostra sinais animadores. Ao minimizar o tamanho da crise sanitária, Bolsonaro acionou a corrosão de sua imagem perante a classe média. Pode estar perdendo o controle do jogo. Os panelaços pelo Brasil são um sintoma grave de um governo que começa a apresentar sensível desgaste. Pode pagar um alto preço político.

Nessa esfera a posição do Planalto também não é boa. Ao adotar a política de enfrentamento, Bolsonaro rifou aliados, rachou seu partido e segue enfraquecido no Parlamento. As acusações de falta de lealdade presidencial estão no Congresso Nacional, mas também em outras frentes, que acabam por tornar a posição do Presidente cada vez mais frágil.

O surgimento de um cisne negro no horizonte bolsonarista, evento imprevisível, uma reviravolta repentina e inesperada nos acontecimentos, acabou por alterar de forma substancial os rumos presidenciais. A pandemia teve este condão. Ao testar a liderança do Capitão, abriu flanco para a oposição ajustar o discurso nas falhas de condução da crise, retirando Bolsonaro de sua zona de conforto.

A estratégia de contra-ataque governista é minimizar a pandemia, acusar os governadores de fazer uso político da crise com vistas a atingir a economia e fragilizar o presidente. Entretanto, a maioria da população tem medo do vírus e apoia as medidas de contenção dos governos estaduais. Neste round, mais uma vez o presidente saiu em desvantagem.

Nada altera o fato que todo este cenário alimenta os elementos necessários de uma tempestade perfeita. Estamos diante de uma recessão econômica e crise política que, se alimentados pelo ronco do asfalto e o bater de panelas, pode gerar danos irreversíveis a uma presidência que tem se pautado pela política do enfrentamento e a falta de compromisso com aliados históricos. Bolsonaro precisa entender que não se faz política sem liderança, robustas alianças e profunda lealdade.

Depois da crise escalar e atingir seus níveis sanitários mais preocupantes, o foco de tensão será a economia, desaguando de forma aguda na política. Sem liderança, a cadeira presidencial corre risco. O Parlamento, provocado pela fúria presidencial, poderá ser instado a se manifestar pelo acúmulo de crises em série. Ao buscar as ruas, Bolsonaro pode descobrir que o rei está nu. O presidente descobrirá que depois de colecionar tantos inimigos, poderá enfrentar a solidão do poder, esperando, ao invés da reeleição, o fim do mandato. Esta crise pode transformar em pó sua presidência, tornando-o um pato manco até 2022. Resta saber se Bolsonaro está disposto a mudar o rumo dos acontecimentos.

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