Mais uma onda de denúncias surge envolvendo parlamentares, empresários, prefeituras e assessores do Ministério da Saúde. A impressão que fica é que estamos mergulhados num mar de lama generalizado de corrupção e que a ousadia e a desfaçatez dos corruptos são ilimitadas.

Afinal, se dinheiro público é sagrado, deve ser aplicado com eficiência e honestidade. Em se tratando de recursos orçamentários voltados para a melhoria da saúde da população, desviar dinheiro é duplamente criminoso.

Mas, para além da indignação natural e imediata, é preciso ter claro o avanço de nossa democracia no combate à corrupção, perceber que é possível uma outra postura na gestão das políticas públicas e, principalmente, aproveitar o aprendizado para introduzir mudanças que fechem as torneiras para a corrupção.

Estou convencido de que a democracia brasileira vive um processo doloroso de amadurecimento que prepara um verdadeiro salto de qualidade na vida das instituições e do sistema político.

A presente crise não é uma crise de decadência, mas sim o esgotamento de um ciclo que prepara avanços subsequentes. A grande virtude da liberdade e da democracia é o aprendizado coletivo e a decorrente capacidade de autocorreção dos rumos.

Nos últimos anos, é evidente o fortalecimento de instituições como o Ministério Público, a Polícia Federal, a Receita Federal, entre outras. A transparência é crescente. Corruptos são presos, processos judiciais são instalados. Nunca houve tamanha liberdade de imprensa, de expressão e organização.

Certamente, após as eleições, teremos um período de grandes transformações institucionais. Reforma política, mudanças nas regras de construção e execução dos orçamentos públicos e modernização do Poder Judiciário serão partes da agenda nacional.

Da atual crise nascerá um novo momento em nossa democracia. No presente caso, uma quadrilha se especializou em se apropriar de recursos públicos através da manipulação de licitações na compra de ambulâncias financiadas por recursos federais, provenientes de emendas parlamentares.

Dada a repercussão das denúncias, é importante separar o joio do trigo para que a população, ao ver uma ambulância nas ruas ou estradas, não a associe imediatamente aos "sanguessugas". O transporte sanitário é parte essencial na vida do sistema de saúde.

Isto inclui: centrais de regulação, ambulâncias, vans, UTIs móveis, UTIs aéreas, caminhões para coleta de lixo hospitalar, carros para as equipes de saúde da família etc. O sucesso de um bom sistema público de saúde depende de uma complexa retaguarda logística.

Os pequenos municípios não têm condições de ir além de consolidar um bom programa saúde da família, garantir as especialidades básicas e alguma abordagem inicial nos casos de urgência. Mesmo as cidades de porte médio não conseguem garantir os serviços de alta complexidade.

A escala de produção de serviços médicos tem a ver com qualidade e viabilidade econômica dos serviços de saúde. Para criar uma rede solidária e cooperativa entre pequenas, médias e grandes cidades na saúde, é preciso uma ação sistêmica e planejada na área do transporte sanitário.

A logística deve ser objeto de uma ação coordenada e permanente das políticas públicas de saúde e não refém do clientelismo e da corrupção.

Portanto, vamos colocar os "sanguessugas" na cadeia, modernizar os processos gerenciais de execução orçamentária e de compras governamentais e transformar o transporte sanitário em integrante permanente do planejamento das ações de saúde.

Foi isso que o atual governo de Minas fez. Consolidou uma política de regionalização da saúde pactuada com todos os municípios. Fortaleceu os hospitais regionais. Desenhou uma rede assistencial.

Reequipou com novas, robustas e modernas ambulâncias todos os municípios mineiros, sem nenhuma discriminação, como política sistêmica. Comprou, dentro da filosofia do "choque de gestão", diretamente da indústria, sem intermediários, através de pregão presencial, obtendo economias importantes.

Começa a desenvolver experiência piloto inovadora de sistema integrado e cooperativo de transporte sanitário nas microrregiões. Equipou consórcios intermunicipais com UTIs móveis, investiu em unidades de resgate para o Corpo de Bombeiros, conta com as aeronaves do governo para o sistema de transplantes.

Foi um dos poucos governos estaduais a participar do financiamento do SAMU-192 nas maiores cidades. Enfim, o governo tratou o transporte sanitário como componente central e sistêmico de sua política de saúde. E fez isso com eficiência, honestidade e transparência.

Para que não repitamos os erros e avancemos na modernização de nossas ações no campo da saúde, a triste experiência dos "sanguessugas" nos ensina:

a) o ministério deve institucionalizar uma política permanente e sistêmica de apoio aos municípios e hospitais para renovação de sua frota, tornando desnecessárias as emendas parlamentares;

b) as compras devem ser sempre centralizadas, por pregão ou registro nacional de preços, já que ambulâncias, diferentemente de obras, são produtos estandardizados, evitando intermediários, que potencialmente são agentes da corrupção;

c) os critérios de distribuição devem obedecer a parâmetros técnicos, universalizantes e transparentes;

d) a execução orçamentária deve obedecer aos princípios da moralidade e da impessoalidade. Saúde é coisa séria. "Choque de gestão" é o melhor remédio contra a ação nefasta de "sanguessugas".

Ex-secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais