Nossas memórias são o passaporte de acesso à nossa história. Elas são nossa base. Lá registramos nossos momentos especiais, os desafios, as superações, os caminhos que encontramos para lidar com as dores e as alegrias. A memória é foco de estudo em diversos campos da psicologia e foi compreendida, em alguns momentos, como apenas um local de armazenamento, em que as informações ficam guardadas e, quando é preciso, são recuperadas. Nessa visão, uma boa memória é aquela em que é capaz de guardar o máximo de informações possível e depois recuperá-las agilmente.
Em “Divertida Mente”, filme premiado da Disney, no qual os sentimentos se personificam dentro da cabeça da menina protagonista, Riley, as memórias são transformadas em esferas em que estão guardados os momentos especiais da vida. Da brincadeira com os pais, o jogo de hóquei com as amigas, as mudanças de casa e as lembranças das reações aos alimentos. No nosso cérebro, as lembranças são processadas numa região chamada “hipocampo”, que converte as memórias de curto prazo nas de longo prazo. No filme, algumas memórias são deixadas de lado, esferas que não são utilizadas vão parar num lixão e viram poeira com o tempo.
Agora, imagine perder todas essas referências. Das mais simples às mais estruturantes. Ter memórias é ter autonomia. O primeiro sintoma do Alzheimer é a perda da memória, principalmente na dificuldade de lembrar informações recentes. As células cerebrais no hipocampo, uma parte do cérebro associada ao aprendizado, são normalmente as primeiras a serem danificadas.
Com o passar do tempo, em casos avançados, o tecido cerebral também entra em degeneração, destruindo outras funções do corpo comandadas pelo cérebro, como a locomoção e a deglutição. A silenciosa caminhada na direção do vazio de si mesmo é uma dor enorme para familiares e pessoas envolvidas. As pessoas com Alzheimer e os seus familiares estão destinados a conviver diariamente com o esquecimento de lembranças recentes, a repetição de histórias antigas, a perda de funções cognitivas e a crescente dependência em atividades de rotina, como alimentação e higiene.
Toda essa dor e os desafios só serão superados pelo amor e carinho no apoio diário de não deixar que o outro se perca de si mesmo.
Por fim, partilho com você, leitor, o motivo que me inspirou a escrever sobre memórias perdidas. Fui convidado a assistir a uma peça que me deixou muito emocionado e impactado neste último fim de semana: “Maio, Antes que Você Me Esqueça”. Ainda em cartaz, no teatro da Biblioteca Pública, os atores Maurício Canguçu e Ilvio Amaral, com direção e texto de Jair Raso, apresentam um enredo profundo sobre a angústia do lembrar e do esquecer na vivência do Alzheimer. Um pai e um filho se reencontram no amor e no perdão a partir do impacto de recordar os sentimentos pelas memórias.
Sempre existirá a necessidade de construirmos significados que unem as memórias ao sentido do que vivemos. A memória reconstrói as experiências passadas com base no nosso presente, a partir das nossas elaborações, construções e associações projetadas em uma relação social. Nossas memórias nos conectam ao que construímos em relação ao outro, sempre!
Mesmo perdido em suas repetições e ausências, o pai é capaz de acessar as lembranças mais amorosas e importantes com base nos eventos que lhe foram preciosos, como a esposa, que adorava o mês de maio, as coroações, as noivas, o tempo, as flores. O texto brilhante nos faz recordar também nossas experiências daquilo que nos conecta a nós mesmos: a família, o amor, a casa paterna, nossos silêncios e desejos mais íntimos. Que possamos, agora, provocar as melhores lembranças nos outros pelo amor e pela sintonia. A chave de tudo isso? O perdão, a humildade e a aceitação da vida como uma escola!
Boas escolhas.
*Otávio Grossi, é filosofo, mestre em psicologia, graduando em psicologia, psicopedagogo de autistas. Mentor de empresários e atletas. Autor de “ Conquistas autenticas” e co-autor de “Sobre rodas”, das Edições Candido- RJ. É colunista fixo do jornal O Tempo e especialista do programa Interessa, nas quartas-feiras, na rádio Super FM.