Depois das trevas da Idade Média, o alvorecer do iluminismo, da racionalidade e os efeitos das grandes descobertas científicas deram ao mundo ocidental o longo período de expansão econômica de aproximadamente 200 anos, jamais experimentado antes, muito embora com sucessivas guerras e disputas territoriais, que se estenderam até a primeira metade do século XX.

Faz 8 décadas que a chamada Guerra Mundial dos 30 anos (1915-1945), na expressão de Kissinger, terminou tragicamente, quando as bombas atômicas dos EUA incendiaram Hiroshima e Nagasaki. O pavor da repetição daquele episódio foi crucial para a construção dos acordos de rendição, que resultaram na criação do sistema da Nações Unidas e das instituições multilaterais, na integração do comércio exterior e dos mercados financeiros e, por fim, para a consolidação das democracias liberais, porém, não sem conflitos. Do terror renasceram as luzes da racionalidade e das negociações, pré-condições para a paz.

Se 2,3 bilhões de pessoas havia no planeta em 1945, hoje são cerca de 8 bilhões, das quais, contemporâneas dos horrores da guerra nuclear, sobrevivem apenas 128 milhões (1,6% do total) - equivalentes à população do México. Os restantes 7,9 bilhões nasceram já quando os EUA haviam se tornado nação hegemônica, maior potência militar, maior economia do mundo e teve sua moeda (dólar) consolidada como meio para as transações comerciais e financeiras no mundo. Portanto, os terrores de conflitos mundiais ficaram conhecidos pela enorme maioria da população mundial, por transmissão oral, filmes, livros, estudos etc., não pela experiência vivida.

Foi no ambiente de democracia liberal e hiper globalização que o mundo chegou ao século XXI. Dany Rodrik, em lúcida análise (The Globalization Paradox, 2012) chamou a atenção para a impossibilidade de se alcançar, simultaneamente, três objetivos: de democracia, soberania nacional e integração econômica global. Sua profecia está a se realizar. O interregno das quatro décadas da expansão da economia neoliberal e das democracias liberais parece ter terminado (Luiz Sérgio Henriques, “Estadão”, 24/8/25). As democracias representativas exibem fraturas, expostas a radicalismos e populismos autoritários; a soberania nacional tem sido ameaçada por invasões, por exemplo, na Ucrânia; e a integração econômica global está em xeque, quer pelo enfraquecimento e ineficácia do sistema multilateral, quer pela política tarifária agressiva e unilateral de Trump.

Nesse contexto, a Europa buscou fortalecer-se por meio da comunidade da União Europeia, a China se consolidou com novo polo de poder político-militar e econômico e os EUA lutam para manter sua abalada hegemonia unipolar. O mundo ficou mais complexo e inseguro; seu futuro, incerto, porque as armas atômicas espalham-se sem controle supranacional. Pode ser o sinal de que o ciclo mais virtuoso de prosperidade da humanidade está chegando ao seu fim.