Em pouco tempo as cortinas do palco político mundial se fecharão para Angela Merkel. Por decisão própria, a chanceler alemã, exibindo cerca de 70% de aprovação popular, não concorreu a um novo mandato. Após 16 anos no poder, a primeira mulher a exercer a função política mais importante na Alemanha e uma entre os três chanceleres mais longevos, Merkel passará para a história. No futuro próximo, a Alemanha terá novo líder.
Educada dentro da cortina de ferro, no seio de uma família luterana, Angela doutorou-se em química quântica e militou na Juventude Livre Alemã, de orientação socialista. Após a Queda do Muro de Berlim, engajou-se nos movimentos pela democratização da Alemanha Oriental, participou da primeira eleição democrática e foi porta-voz do governo alemão-oriental no período de transição.
Ingressou na União Democrata-Cristã (CDU) e foi eleita para o primeiro Parlamento da Alemanha reunificada. Em 1991, com 37 anos, participou do governo de Helmut Kohl, ocupando a pasta da Mulher e Juventude e, posteriormente, a pasta de Meio Ambiente.
Sua ascensão no SPD foi surpreendente. Com denúncias de financiamento ilegal em seu partido, Merkel exigiu que o ex-chanceler Kohl renunciasse à sua cadeira no Parlamento e deixasse a política. Esse seu primeiro ato ousado já exibia suas convicções, sua coragem e sua integridade. Em 2005, assumiu o governo da Alemanha, derrotando o então chanceler, Gerhard Schröder, do Partido Social-Democrata (SPD).
Chegou ao poder com a Alemanha em crise econômica e o mundo abalado pela expansão do terrorismo. Com seu estilo discreto, assertivo, porém cuidadoso e sereno, habituada ao diálogo e ao entendimento, compôs seu governo fazendo aliança com a social-democracia e deu curso às reformas administrativas, que haviam começado no governo de Schröder. Aliança com a qual governou também no seu último mandato.
No contexto internacional, enfrentou as incertezas de um mundo em mudança. Basta citar os ataques terroristas às Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, a crise financeira de 2008, a crise da Grécia, a expansão econômica e política da China, o Brexit e a pandemia. Demonstrou firmeza e serenidade nos fóruns internacionais, exercendo sua liderança com discrição, sem arrogância ou intransigência. Abriu as portas de seu país e acolheu mais de 1,5 milhão de estrangeiros, seu ato humanitário mais extraordinário, ao buscar soluções para a maior crise migratória do último século.
Angela Merkel nunca perdeu o foco na gestão das questões internas de seu país e sempre foi uma voz de equilíbrio e bom senso nos fóruns internacionais. Filha da unificação alemã, crente na ação conciliadora da política, a dama da sensatez deixa a cena política. O mundo de tantas incertezas, conturbado e com enormes desafios políticos, econômicos, sociais e ambientais, sentirá sua ausência?