Os habitantes de um país tropical, ao sul do Equador, estavam habituados com a dinâmica confusa das grandes cidades; com o congestionamento do trânsito, com o barulho das buzinas dos carros, das vozes dos vendedores ambulantes e dos equilibristas dos sinais fechados nas esquinas tumultuadas das urbes populosas.
As pessoas eram movidas, em dias de futebol, pelos ensurdecedores gritos das torcidas organizadas; e, nos fins de semana, pelas músicas e agitação dos bailes funks nas comunidades e pelos eventos sociais e religiosos, que reuniam milhares de apaixonados e devotos.
Ao burburinho das cidades e à poluição do ar, juntavam-se as multidões, lotando metrôs e ônibus, bares e restaurantes, cinemas e shoppings. Trabalho e lazer. Era um ir e vir apressado; eram fábricas a todo vapor e chaminés jogando fumaça para o ar. A liberdade de mobilidade era a energia que movia máquinas, trens, aviões, carros e navios. O contato social era a força do pulsar dos corações, do amor, e da criatividade. A economia, finalmente, parecia ter saído de sua letargia para acumular empregos para uns e riqueza para outros. As bolsas batiam recordes. A confiança estava de volta. A alegria parecia, então, eterna.
Era a vida deste país.
Mas, um dia, o país acordou diferente. Os vírus que percorriam o mundo, sem aviso prévio, pousaram silenciosamente nos seus aeroportos, vindos de lugares distantes. Aportaram com os viajantes e, depois, passaram a contaminar as pessoas nas grandes cidades, umas às outras.
O novo vírus tinha seus alvos, os idosos, cujas vidas eram graças do avanço da medicina e do progresso socioeconômico, e a esperança, que brotava dos corações daquela população.
Para evitar mortes em massa, havia uma só opção: impedir o contato social. Acabar com aquela alegria. Os governantes, atônitos, sem saber bem o que fazer, ficaram com medo. O que será de nós?
O novo cenário já havia sido anunciado há muitos anos por Albert Camus, em seu romance “A Peste”: “Porque, estranhamente, o que chegava então dos terraços ainda ensolarados, na ausência dos ruídos de veículos e de máquinas que normalmente constituem toda a linguagem das cidades, era apenas um rumor de passos e de vozes surdas, o doloroso deslizar de milhares de solas, ritmado pelo silvo do flagelo no céu pesado, um interminável e sufocante arrastar de pés que enchia pouco a pouco toda a cidade e que, tarde após tarde, dava sua voz mais fiel e mais melancólica à obstinação cega que, em nossos corações, substituía então o amor”.
Naquele país tropical, nem isso, apenas o silêncio e o pânico. Seu presidente, impotente, rompeu sua solidão. Surgiu na televisão, como um histrião, raivoso, em gritos frenéticos, conclamou a todos: “voltem às ruas! Morte ao desprezível vírus! Vamos calar nossos adversários e ganhar a guerra!”.
A noite, quente e abafada, era de um profundo cinza negro.