O centro de Belo Horizonte resiste. Dia após dia, entre o tilintar das moedas nos copos de plástico, o grito rouco dos ambulantes, o arrastar dos passos apressados nas calçadas da rua da Bahia, há uma cidade que insiste em não desaparecer. Não é a cidade das promessas institucionais ou das fachadas reluzentes que tentam transformar a praça Sete em um palco urbano idealizado. É a cidade real – a que sangra, mas pulsa.

Nos últimos tempos, assistimos à reativação de uma velha ambição: revitalizar o hipercentro. Inspirada em modelos internacionais, ganha corpo a narrativa defendendo que é preciso “devolver o centro ao cidadão”. Mas é preciso perguntar: que cidadão é esse? E quem, afinal, foi embora do centro?

Não há cidade mais viva que o centro de Belo Horizonte. Ali estão os camelôs, as ocupações urbanas, os ônibus vindos das quebradas e da região metropolitana, os velhos bares, os sebos teimosos, as igrejas. Está tudo lá. O que falta não é presença. O que falta é cuidado. 

Falta investimento em zeladoria urbana, limpeza, segurança pública, moradia, transporte acessível. Falta um projeto de cidade que reconheça o centro como território de encontros – e não de retirada.

Faltam dados atualizados, diagnóstico integrado e gestão intersetorial. O centro não se transforma com marketing, mas com política pública. Sem planejamento urbano baseado em evidências, qualquer intervenção no centro corre o risco de apenas deslocar os problemas – e não resolvê-los.

Enquanto isso, crescem as iniciativas de valorização imobiliária, de limpeza visual, de modernização comercial. Termos polidos que, na prática, representam o risco da gentrificação. Reduzir o centro a vitrines é apagar a história social que ali vive – ou sobrevive – há décadas.

A verdade é que o centro não precisa ser revitalizado. Ele precisa ser respeitado. Porque ele nunca morreu. Morreram as políticas públicas. Morreu o compromisso com quem ficou. A cidade não está vazia: está invisibilizada. Não faltam pessoas no centro; faltam olhares.

É possível, sim, renovar o centro. Mas que isso não signifique empurrar para longe quem o habita hoje. Que não seja um projeto de substituição, mas de inclusão. Que o centro continue sendo lugar de todo mundo.

Belo Horizonte precisa voltar a enxergar o centro não como um problema, mas como um espelho. O que está ali é a cidade inteira refletida. O centro é o que temos de mais honesto. E é por isso que assusta tanto.