Pois é, a preocupação com o câmbio não é coisa nova, tampouco apenas desse governo liberal, que ao mercado entrega nosso destino. É antiga. Já no final do Império, às vésperas da República, Machado de Assis acompanhava com temor o fenômeno da dança das moedas e seus efeitos sobre os preços dos bens, cujas matérias-primas ou os próprios produtos acabados vinham de além-mar, pois, diziam-lhe, tudo que se comprava caro era por causa do câmbio.
A desvalorização da moeda era sua dor de cabeça. Na crônica “O câmbio e as pombas”, de 1886, Machado de Assis perguntou “que quer o senhor que eu faça com este câmbio a 9?” Naquela época, a taxa de câmbio era expressa na quantidade da moeda inglesa equivalente a 1.000 réis. E, se já estava difícil conviver com o câmbio a 9 pence, o que dizer quando o 1.000 réis caiu para 8? “Dois círculos, um por cima do outro... Um par de olhos tortos e irônicos” observara, desiludido, o escritor.
A caminho de uma casa de câmbio, aonde iria comprovar a triste realidade, ouviu de um transeunte a péssima notícia de que chegaria rapidamente a 7. Estaria a moeda brasileira virando pó e o país à beira do caos? Como viver com o câmbio a 7, meu Deus? Mas, por outro lado, era a alegria dos exportadores, que se valiam disso para enviar mais café para o estrangeiro consumir. Moeda desvalorizada podia ser boa para os ricos exportadores, mas era uma tragédia para o cidadão comum. O que dizer para uma empregada doméstica?
Nos dias de hoje, o câmbio é expresso de maneira inversa à dos tempos de Machado de Assis. A taxa de câmbio é indicada pela quantidade necessária de reais para trocá-los por US$ 1. Se o câmbio, agora, ultrapassa R$ 4 por dólar, em passado não tão distante, mal chegara a R$ 1,8, quando a economia crescia a 5%. Com o baixo desemprego e o poder aquisitivo dos salários forte, a galera feliz consumia vinhos importados e, no Natal, castanhas. Até férias na Argentina e na Disney passavam. Os aviões andavam lotados de gente de todos os meios.
Recentemente, o ministro Paulo Guedes afirmou não gostar dessa “farra danada” da democracia econômica. Consumir produtos supérfluos é coisa para os ricos, os menos aquinhoados pela vida devem entender o seu lugar, passando as férias comendo frango com farofa nas praias de Santos ou no piscinão de Ramos, no Rio de Janeiro. Se muito, ir conhecer Cachoeiro do Itapemirim, terra de Roberto Carlos, ou, se tiver sorte, visitar Foz de Iguaçu, de ônibus. Avião, nem pensar; não é coisa para pobre. O ministro quer o real desvalorizado. Assim, as empregadas domésticas reconheceriam o seu lugar. Para elas, mais fogão e menos Disneylândia. O ministro, que detesta igualdade, viu influência do comunismo em Hollywood ao conceder o Oscar ao filme coreano “Parasita”.
E as pombas, o que veem? Sobre todos e sobre tudo, o ministro e o escritor, contrastes da vida, que não são obras de imaginação.