O governo se impôs uma tarefa árdua, se não hercúlea, ao propor de partida a sua própria reforma da Previdência para depois, então, enfrentar a estagnação da economia. Sua derrota seria a antecipação do seu fracasso.

A vitória parecia improvável. Fernando Henrique não conseguiu; Temer não conseguiu. Ambos chegaram perto, mas foram derrotados. FHC perdeu por um voto, em abril de 1998, e Temer não arregimentou o apoio suficiente, após o episódio de seu encontro com Joesley Batista. Lula e Dilma tiveram vitórias parciais. A de Lula valeu-lhe importante dissidência do PT, cuja consequência foi a criação do PSOL.

Desta vez o ambiente estava favorável, inclusive com aceitação da opinião pública – 47% dos entrevistados já aprovavam a reforma, segundo pesquisa Datafolha neste mês – e com o enfraquecimento político da esquerda. O resultado, todavia, surpreendeu. Votaram a favor do texto básico 379 deputados, e contra, 131, que representam a isolada oposição, formada pelos partidos de esquerda; oposição menor do que a dos 137 deputados que votaram contra a admissibilidade do impeachment de Dilma no plenário da Câmara, em abril de 2016. A vitória foi insofismável.

O país está assistindo a novas estratégias na condução política que brotam das tensões interinstitucionais dos novos tempos. De um lado, o presidente Bolsonaro mantém sua comunicação direta com seu eleitorado por meio das redes sociais, contestando seus adversários prediletos: a esquerda já derrotada e o Poder Legislativo, este escolhido como a representação da velha política, entendida como as práticas de corrupção, da barganha pessoal e do fisiologismo. De outro lado, a Câmara dos Deputados, por intermédio da liderança de seu presidente, Rodrigo Maia, assume a iniciativa das grandes decisões, tomando para si a tarefa de conduzir a reforma da Previdência, dentro das normas legais, e entregá-la ao país, como prova de que o Poder Legislativo representa com seriedade os interesses da nação.

Na tramitação da PEC da Previdência ressurgiu o Legislativo independente, e aflorou com luz própria a política nos processos democráticos. O resultado foi a reforma possível que resultou dos debates e da habilidade dos parlamentares em conciliar pontos de vista divergentes, ajustar modificações na proposta original para agregar apoio. É esse o papel do Parlamento, que representa as divergências de ideologias, de culturas, de regiões e de opiniões em um país tão complexo. A política é a arte de construir consensos por meio de negociações, acordos e compromissos informais, cuja eficácia nasce da confiança mútua entre os diferentes parlamentares, quer da base de apoio ao governo, quer da oposição. Foi o que se viu na votação da Previdência. A democracia venceu. A Câmara saiu fortalecia.

Por fim, atravessou-se o rubicão. Agora inicia-se a caminhada das reformas rumo ao crescimento. Mãos à obra, Executivo e Legislativo.