Os episódios da última quarta-feira em Washington não deixaram dúvidas sobre os riscos que sofrem as democracias, mesmo as que outrora eram consideradas invulneráveis, como a dos Estados Unidos.
As democracias estão edificadas sobre os pilares das instituições formais, tais como as Constituições e as normas subsequentes, e das instituições informais, como costumes, confiança, crença e respeito de toda a sociedade aos seus princípios. Mais ainda, as democracias dependem do compromisso genuíno de seus dirigentes, cuja autoridade lhes foi delegada formalmente pelos eleitores, com as normas que juraram obedecer e com os ritos que simbolizam a sua vitalidade.
O presidente Trump ultrapassou todos os limites imagináveis para impedir a certificação dos resultados que deram vitória ao candidato democrata, Joe Biden. Colunista do jornal “New York Times”, Ezra Klein, em sua coluna do dia 7.1.21, observa que a maior parte da imprensa e dos seus críticos o toma literalmente, e não seriamente, sem considerar possíveis os riscos de suas ações, enquanto seus seguidores o tomam seriamente. Dessa feita, seus apoiadores extremistas o entenderam também literalmente. Deu no que deu.
Antes mesmo das eleições, Trump alertava que elas seriam roubadas; depois, denunciou fraudes, sem nunca apresentar uma evidência consistente; nenhuma instância institucional ou testemunhal sustentou a narrativa do presidente.
Terminada a contagem dos votos, o presidente não seguiu o rito da democracia americana, telefonando para o vencedor, cumprimentando-o e aceitando sua vitória. Ao contrário, conclamou seus apoiadores a não reconhecer os resultados. Nenhuma das tentativas de denúncia de fraude foi acolhida nos tribunais.
O ato final de sedição foi trágico. Trump, já sem apoio político suficiente, conclamou seus seguidores para invadir o Congresso Nacional, onde estavam reunidos o vice-presidente Mike Pence, também presidente do Senado, os senadores e os deputados para a sessão de certificação dos resultados, um passo formal e simbólico do processo eleitoral. Não foi uma manifestação de protesto, mas uma insurreição, com invasão a um prédio público, símbolo da democracia americana. A sessão foi interrompida, e as autoridades, retiradas para local seguro. Resultado: quatro vítimas mortas.
O Dia de Reis passará para a história como o dia em que o presidente dos Estados Unidos rompeu todos os limites da legalidade e da decência em benefício próprio, sem nenhum compromisso com o bem comum. Dia do seu triste fim.
Restará a lição de que, para manter a liberdade, a democracia precisa ser preservada dia a dia por toda a sociedade, por meio da confiança e do respeito às instituições, incluídos os partidos políticos, a mídia e as instituições informais.
Personalismo, ódio e violência são ingredientes para o fim da democracia.