PAULO HADDAD

Crescimento sem ilusões

Com economia brasileira em frangalhos, não se pode iludir-se com melhorias sem ações


Publicado em 22 de outubro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Neste momento, a economia brasileira se encontra em um verdadeiro atoleiro. O quadro geral está muito confuso e pouco previsível no ciclo da pandemia e também em relação ao futuro pós-pandemia. Há alguns indicadores econômicos e financeiros que estão dando sinais positivos neste último trimestre do ano. Trata-se, na verdade, de um lento renivelamento dos níveis pré-pandemia da renda e do emprego.

Uma das funções de um analista econômico é a de informar à opinião pública sobre a sua percepção em relação à evolução da conjuntura e de suas perspectivas, sem otimismo ingênuo ou panglossiano. Dr. Pangloss é um personagem da obra “Cândido” de Voltaire, de 1759. Era um mensageiro do otimismo ao afirmar sempre que “tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos”. Para ele, “está provado que as coisas não podem ser diferentes do que são, uma vez que se tudo foi feito para um propósito, conclui-se que tudo é feito para o melhor propósito”. Que bom se assim fosse! 

Como a esperança de dias melhores se transforma em alimento para as almas de uma população exaurida psicologicamente por dias de isolamento e de sofrimento durante a pandemia, as autoridades econômicas não podem se transformar em mercadores de ilusões quanto ao estado da arte da conjuntura e de suas perspectivas. Estamos batendo recordes históricos nas taxas de desemprego da força de trabalho, nos níveis de endividamento da nação, nos números de brasileiros pobres e miseráveis, na destruição dos nossos ecossistemas.

Os brasileiros querem saber quando e como serão compensados futuramente as perdas e os danos de seus empregos, de suas rendas e das suas condições de vida no ciclo da pandemia. Para que sejam deslocados de uma estagnação ou regressão socioeconômica, a política econômica precisa de maior intensidade, de adequada cadência e de sequenciamento estratégico.

Para enfrentar os atuais problemas socioeconômicos e socioambientais da economia brasileira – complexa, insinuosa e multifacetada – não se pode chegar ao campo de batalha com um receituário técnico único e pronto de política econômica. A economia é uma só, mas as receitas para se atravessar o seu cipoal são muitas e exigem engenho e arte, capacidade de negociação e inteligência intuitiva.

A doutrina da austeridade fiscal pressupõe que a retomada do crescimento econômico depende, em grande parte, do resgate da confiança de investidores e consumidores. Embora o processo de ajuste do desequilíbrio das contas públicas seja uma condição necessária e indispensável para o país voltar a crescer, ele não é, contudo, suficiente para superar o atual quadro de recessão econômica que nos envolve. Essa superação pressupõe uma coordenação de ações e de expectativas através de um sistema de planejamento governamental estratégico (mais indicativo, mais flexível, mais exato, mais rápido, mais descentralizado, mais participativo) articulado simultaneamente com as políticas econômicas de curto prazo.

Com a economia brasileira enfurnada num atoleiro financeiro, há que se pensar em trajetórias alternativas planejadas para o país sair da crise. Como destaca o escritor norte-americano Eric Hoffer, geralmente vemos as coisas que estamos procurando de tal forma que, muitas vezes, pensamos vê-las onde elas nem estão.

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