Rafaela Lobo

Rafaela Lobo

É mestre em análise do discurso pela UFMG, empresária, CEO da Scriptus Comunicação e idealizadora do Projeto Comunique-se Bem. Escreve quinzenalmente sobre comunicação em suas várias dimensões

RAFAELA LÔBO

O nada que nos enche de tudo que não queremos

Dores que não podemos nomear e com as quais não sabemos lidar

Por Rafaela Lobo
Publicado em 22 de maio de 2024 | 07:23
 
 
 

Um dia, quando eu estava ministrando uma aula de gramática (sim, caro leitor, já fui professora de português), eu estava explicando que o “nada” é um pronome indefinido, ou seja, ele existe, mas não se define com precisão. Automaticamente escutei a voz de oposição de alguém dizendo que estava errado porque o nada é o vazio, e o vazio não existe. Não é bem assim... Quem sente um vazio no peito sabe o quanto não só ele existe como dói. 

Na matemática, por exemplo, o vazio não é o nada, pois o nada é um conjunto de elementos sem conteúdo. Mas um conjunto é algo. Na física se torna mais complexo, pois existe primeiro o vácuo, que é um espaço sem matéria, mas ele possui campos magnéticos. Já o vazio seria o espaço com total ausência até de campos magnéticos. Porém, por ser um espaço, estaria sujeito à gravidade e teria ao menos energia. Já o nada, para existir, teria de destruir as leis da própria física, isso porque seria a impossibilidade de conter qualquer coisa, magnetismo, energia. 

O nada é muito significativo

Na filosofia, o campo fica ainda mais complexo. São tantos autores discutindo que fica até difícil escolher. Parmênides (influenciou Sócrates e Platão), por exemplo, diz que o nada não existe e não pode ser nem conhecido, nem expressado, pois, para falar de algo, é preciso que a coisa em si exista. Já Sartre escreveu o livro “O Ser e O Nada”, e, para ele, “a existência precede a essência”. Então, se minha essência depende de eu saber que existo, logo, o nada é um conceito que não existe por si só. Para Sartre nada escapa à consciência, então, tudo está em nossa mente. 

Tudo isso para dizer que o nada é muito significativo. Ele projeta um todo que corrói nosso pensamento e que demonstramos diversas vezes em nossa fala. Poderíamos discutir filosofia e inúmeros artigos questionando o que é o nada, mas, na prática, o melhor dos conceitos que conheço foi me dado por um aluno na mesma aula que citei no início desse artigo.  

O 'nada' e o 'tudo'

Quando estávamos discutindo o fato de o nada ser um pronome indefinido e, portanto, existir, quando o aluno me interpelava dizendo que a gramática estava errada, um terceiro aluno parou a discussão dizendo: 

– Quando chego em casa e minha mulher está estranha pergunto para ela o que ela tem. Se ela responde: ‘nada’, eu entro em pânico porque já sei que ela tem ‘tudo’, e o pior, eu nem sei o que é esse tudo. É bem indefinido para mim! 

O sentimento que nos enche

Para mim, o nosso nada carrega todas as dores que não podemos nomear, todos os medos e cavernas em que não queremos entrar, todos os anseios com que não sabemos lidar. Olho pelas ruas e às vezes e me pergunto qual é o nada que está em cada um. Me pergunto também como seria se pensássemos sobre isso. 

Quando o nada nos enche, como podemos retirar esse sentimento? Como é que comunicamos esse nada, ainda que de forma inconsciente? 

E você? O que você tem hoje? Nada?! 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!