Há dois anos vivenciei uma situação inusitada com um estagiário. Ele chegava, pegava pipoca (sim, servimos pipoca diariamente), sentava-se no sofá e não subia para trabalhar. Um dia, a coordenadora olhou para ele e pediu, gentilmente, que ele entrasse no estúdio para fazer a operação de áudio, já que o estágio visava ao aprendizado dessa tarefa sob a supervisão do diretor de arte, que já o aguardava. Ele respondeu que não queria ir naquela hora, que iria mais tarde. Sim, ele achava que os horários deveriam se adaptar a ele, e não o contrário.

Tenho acompanhado uma página de humor que conta histórias da geração Z no mercado de trabalho – basicamente as pessoas mandam relatos engraçados que são lidos no perfil. Descobri que o estagiário que não queria estagiar não era único, mas um sintoma de uma mentalidade crescente na nova geração.
<CW-10>A diferença entre gerações sempre existiu e sempre existirá, não sou saudosista e não acredito que o passado era melhor. A nova geração acredita em vida social além do trabalho, luta pela escala 5x2 e quer mais tempo e menos estresse, isso é positivo! Não sei exatamente como é, porque sempre vivi para o trabalho e me reconheço socialmente por meio dele. Mas sei que o que faço não é saudável, por mais que eu goste.

Jean Twenge, no livro “Generation Me”, aborda a diferença de gerações e explica que a geração Z tende a valorizar a liberdade individual, na vida tanto pessoal quanto profissional, em detrimento de normas coletivas e hierárquicas. Essa visão explica alguns movimentos sociais, como o de desvalorização do trabalho CLT (que possui regras) e o aumento dos trabalhos “uberizados”, que não têm horário fixo ou chefia.

A questão é que esse comportamento esconde perigos reais. Primeiro porque não é possível “uberizar” todas as formas de trabalho. Imagine um hospital sem chefia ou horário fixo, uma indústria em que o operador de máquinas aparece quando quer. Ao mesmo tempo, esse tipo de trabalho “por conta própria” não oferecerá vagas suficientes, e esse formato de trabalho não traz segurança para o indivíduo – se a pessoa adoecer não terá “onde cair morta”. Isso não é sustentável em longo prazo.

Outro fator que me preocupa é a mudança do trabalho dada pela Inteligência Artificial (IA). Li esta semana que Geoffrey Hinton, um dos mais antigos pesquisadores na área de IA, disse que “os empregos que vão sobreviver à IA no futuro são aqueles que são altamente adaptáveis ou que necessitam de alguma destreza física para serem realizados, e encanadores têm um trabalho assim”.

Isso significa que, enquanto o mercado vai demandar pessoas altamente adaptáveis (o que é raro) ou que realizem trabalho braçal, a nova geração pode resistir às mudanças ao concentrar-se apenas no próprio mundo e ignorar o cenário ao redor. Essa falta de um pensamento coletivo pode gerar crises em setores diversos, e o próprio indivíduo pode ficar fragilizado diante de um futuro incerto. É uma bomba-relógio com cronômetro ligado!