Você é favorável às vagas destinadas a minorias nas universidades e concursos públicos? O que pensa sobre aborto ou feminismo? Qual sua opinião sobre o casamento LGBTQIAPN+? Essas perguntas tornam-se polêmicas porque, historicamente, as sociedades foram estruturadas para privilegiar grupos como homens brancos heterossexuais, definindo o que outros poderiam ou não fazer ou falar.

Digo isso após meu artigo publicado neste jornal a respeito da sobrecarga da geração 40+, no qual discuto esse fenômeno contemporâneo e como ele afeta ainda mais mulheres, receber comentários de leitores, homens, chamando-o de “feminista” e “vitimista”. Na opinião deles, a expectativa de vida menor e a aposentadoria tardia dos homens seriam argumentos de que eles são vítimas da sociedade. Curiosamente, homens que nomearam meu texto como vitimista procuraram dados para sua própria vitimização. Ademais, os dados apresentados pelos leitores eram gerais, e não sobre a geração 40+ a que me referi.

Tenho refletido sobre a importância do lugar de fala. Ao escrever a respeito da sobrecarga dos 40+, abordo algo vivido por homens e mulheres dessa faixa etária, mas meu lugar de fala é de uma mulher, ainda que reconheça os privilégios de ser branca, classe média, heterossexual e com mestrado, o que me dá oportunidades que eu não teria se fosse uma mulher negra, homossexual, periférica e com baixo nível de instrução.

A questão é que o meu lugar de fala está entre as mulheres, grupo historicamente silenciado pelos homens. Poder emitir uma opinião aqui, neste importante jornal, é uma conquista imensa em um mundo em que nós, mulheres, ainda somos olhadas como aquelas que têm a função de cuidar da casa e da família, além do trabalho fora de casa. Talvez, só talvez, seja pela dupla jornada que a mulher se aposente antes, ainda que permaneça cozinhando e cuidando da casa até morrer…

Na prática, essa discussão conecta-se ao conceito de interseccionalidade introduzido pela jurista Kimberlé Crenshaw, que liga experiências de vida a marcadores sociais como raça e gênero, influenciando a posição de cada indivíduo no mundo. Minha vivência é feminina e, como mulher que valoriza suas lutas, sou feminista. Por mais que entenda a importância de vagas para minorias, não posso sentir o que uma criança negra e periférica sentiu. Mas sei o quanto a mulher é pressionada socialmente.

Como explica a grande intelectual e filósofa Djamila Ribeiro, o lugar de fala não trata de censurar o discurso, mas de visibilizar e dar protagonismo às pessoas diretamente afetadas pelas estruturas opressoras. E essa opressão, vivida diariamente pelas mulheres, fica evidente nas reações de alguns leitores.

 Curiosamente, foram apenas homens que reagiram ao meu texto anterior, negando dados ou classificando-o como vitimista. Não à toa, o protagonismo feminino incomoda: ele obriga a romper com privilégios que muitos preferem manter invisíveis.