“Cão danado, todos a ele”, esse provérbio português seria bem apropriado para definir a situação em que se encontra hoje o outrora todo-poderoso executivo da indústria automobilística mundial, Carlos Ghosn, de 64 anos. Nascido em Porto Velho, Rondônia, com ascendência libanesa e cidadania francesa, Ghosn chegou até a ser cogitado como potencial candidato a presidente do Líbano, mas acabou descartando a possibilidade porque já tinha “muitos empregos”.
E tinha mesmo. Comandava a aliança que uniu interesses industriais e comerciais da francesa Renault e da japonesa Nissan, além de ter incorporado, há cerca de dois anos, a Mitsubishi, outra montadora com origem no Japão. Ghosn se formou em engenharia pela Escola Politécnica e pela Escola de Minas de Paris e iniciou sua carreira na Michelin – ocupando cargos na França e no Brasil. Na sequência, foi para a Renault. Ele se juntou à Nissan em 1999, depois que a marca francesa comprou uma participação na montadora nipônica, tornando-se o principal executivo da aliança em 2001.
Do céu ao inferno, vivendo mais no avião particular e rodando o mundo para acompanhar os resultados das muitas companhias que estavam sob sua responsabilidade, o executivo brasileiro foi detido neste mês, em Tóquio, no Japão, por suspeita de fraude fiscal. A Nissan afirmou que a prisão foi resultado de uma investigação interna por vários meses, e que descobriu que ele, por anos, declarava rendimentos menores às autoridades japonesas do que realmente auferia. Até hoje, na história da industrial mundial, não houve ninguém, sem ser ligado a uma família de fundadores, tão importante, reconhecido e com tanto poder de decisão quanto Ghosn. Sua fama se fez no começo dos anos 2000, após salvar a japonesa Nissan da bancarrota, demitir milhares de funcionários, fechar fábricas e, mesmo assim, seguir sendo admirado pelos japoneses.
A idolatria por ele chegou a um ponto tal que, em uma pesquisa de opinião realizada em 2011, perguntaram aos japoneses quem eles gostariam que governasse o país. Ghosn ficou em sétimo lugar, na frente do então presidente dos EUA, Barack Obama (em nono). Tanto poder concentrado nas mãos de uma só pessoa pode ter sido o motivo para que fosse tão investigado com uma finalidade bem-definida. Uma vez descoberto algo contra sua reputação, seria acusado. E foi o que aconteceu. O executivo estrangeiro, que gozava de status de “astro do mundo corporativo” no Japão, está preso e já foi destituído do comando da Nissan e da Mitsubishi. A Renault o mantém no mesmo cargo, mas a operação é dirigida por um conselho formado com a finalidade de tomar resoluções até que seja esclarecido o melindroso assunto.
As ações da Renault despencaram 11% na Bolsa de Paris, ficando entre as mais desvalorizadas da Europa. Na Alemanha, os papéis da Nissan caíram 10%. A imprensa japonesa afirma que Ghosn teria embolsado R$ 333,7 milhões de compensação de horas por ano, mas declarou apenas metade disso, algo como R$ 167 milhões, por vários anos.