O ano termina deixando cenas de violência policial que ficaram como triste marca na nossa memória. Crianças assassinadas, jovens jogados de cima de ponte, violência e criminalidade praticadas por aqueles que deveriam preservar a paz e dar segurança à sociedade. Os casos mais graves vieram de São Paulo, onde os PMs terminaram 2024 como começaram, quando assassinaram 54 pessoas somente numa operação na Baixada Santista, entre 1º de janeiro e 20 de fevereiro.

Na outra Baixada, a Fluminense, na noite de Natal a jovem Juliana Leite Rangel, de 26 anos, foi baleada na cabeça por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Duque de Caxias (RJ). Sem nenhuma razão, os policiais metralharam o carro em que ela estava com os pais. A mãe denuncia que, mesmo vendo a atrocidade que cometeram, saíram sem prestar socorro à vítima.
Os policiais militares e civis do Brasil matam quase o triplo do que os agentes de segurança de 15 países do G20 somados. Foram 6.393 assassinatos em 2023, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, enquanto aqueles países somam 2.267 vítimas mortas.

Alguma medida tinha que ser tomada para conter tamanha violência, e ela veio na forma do Decreto 12.341, publicado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública com o objetivo de regulamentar o uso da força durante operações policiais. Assinada pelo presidente Lula, na semana passada, a medida estabelece diretrizes para o uso gradativo de armas para evitar a violência policial, cada vez mais crescente em todo o país. 

Conforme o decreto, o uso de arma de fogo deve ser feito como medida de “último recurso” quando aqueles de “menor intensidade não forem suficientes para atingir os objetivos legais pretendidos”. O texto também prevê que as ações policiais não deverão discriminar pessoas em razão de cor, raça, etnia, orientação sexual, idioma, religião e opinião política.

Pela normativa, as operações e ações de aplicação da lei devem ser planejadas e executadas mediante a adoção de todas as medidas necessárias para prevenir ou minimizar o uso da força e para mitigar a gravidade de qualquer dano direto ou indireto que possa ser causado a qualquer pessoa.

No início de dezembro, fui convidado para uma reunião no Ministério da Justiça para apresentar as diretrizes do meu Projeto de Lei 179/2003, que trata justamente “sobre o exercício da atividade policial, disciplinando o uso da força ou de arma de fogo”. Fico realizado ao perceber que grande parte do texto foi aproveitada no decreto publicado.

A reação de alguns governadores e de parlamentares da conhecida “bancada da bala” contra o decreto presidencial é completamente descabida. Ao se opor às regras estabelecidas, na prática, eles defendem os policiais que, fora da lei, usurpam da função pública para praticar crimes contra uma população indefesa.

Na volta das atividades legislativas, vou trabalhar para pautar o meu projeto e transformar em lei para que todos os Estados sejam obrigados a cumprir. O governo fez um decreto em que ele garante a diretriz, mas minha proposta é transformá-las em uma legislação vigente. Na prática, os textos são praticamente idênticos. Já apresentei o projeto para os coordenadores da bancada de segurança pública e quero voltar a conversar com o deputado Hugo Motta (PR-PB), que deve se eleger presidente da Câmara, pedindo que ele paute o PL em caráter de urgência. 

Meu projeto busca modernizar a abordagem do uso da força no Brasil, marcadamente influenciada pela herança de uma cultura de violência perpetrada desde o regime militar. Vai acabar com o cego cumprimento de ordens ilegais, garantindo que o agente policial atue de acordo com a legalidade e os direitos humanos. Será um marco na construção de uma legislação que assegure o respeito às vidas, promovendo segurança para todos, sem abrir margem para excessos ou abusos. Chega da polícia que mata. Vamos regular o exercício da função para garantir a dignidade humana.