Tudo ao mesmo tempo. Tantas coisas para um só dia. Das 24 horas que ele nos propõe, passamos pelo menos sete em repouso. As 17 restantes são divididas, contadas e apertadas entre trabalho, casa, problemas, soluções, ações, idas e vindas num trânsito sufocante. E, no meio de toda essa efervescência, estão as pessoas. De todo tipo. Muitas, afundadas na falta de humanidade ou tomadas pelo clima de robotização instaurado por aí, esqueceram-se do conceito de gentileza. Algumas nem sequer o conheceram.

Imagino que a Jordana tenha cruzado com uma dessas figuras na semana passada, quando atravessava a rua com a bela Maria, sua filha de apenas 2 anos. Elas seguiam exatamente na faixa de pedestres quando um motorista envolvido apenas com o próprio universo acelerou, intimidou, coagiu. Não sei para onde ele ia, a razão da sua pressa, mas queria passar. Ao que tudo indica até passaria por cima tamanha a falta de bom senso. Talvez, para levar adiante, lamentavelmente, a ira de um dia ruim. Parece pouco, pequeno, mas não é. A gentileza pode mudar o rumo de um encontro, de um desencontro e das relações de convívio entre amigos, familiares ou desconhecidos. Dia a dia, momento a momento, a vida ficaria melhor ou, pelo menos, mais leve para quem pratica e quem recebe. Gente como a doutora Marta, cardiologista experiente, que, para mim, mudou a direção de uma sexta-feira qualquer.

Na consulta daquela tarde, eu esperava encontrar mais um especialista que não fosse me ouvir, nem sequer me olhar nos olhos. Mas vi, atrás daquela mesa imponente, uma mulher experiente, interessada pela vida do outro antes de dar seus diagnósticos. Quis conhecer minha história, tratou-me com humanidade e sinceridade. Dedicou a nós duas aquele momento e, baseada numa longa conversa, pediu meu check-up. Ao fim da consulta desejei abraçá-la e dizer o quanto me sentia agradecida pela gentileza. E assim eu fiz. Deixei o consultório, aonde fui apenas para pedir uns exames, com uma vontade imensa de fazer algo de bom, sentindo-me confortada e, de fato, cuidada. De bom humor. Também estava surpresa diante do inesperado, de uma atenção gratuita. Não deveria, mas é assim. Atualmente, atos de gentileza são incomuns e, quando vêm, são guardados como troféus.

Gentileza afasta a rispidez e a má vontade. Traz distinção e delicadeza. Torna os relacionamentos mais humanos. Na verdade, não é fácil ser gentil o tempo inteiro. Mas levar pitadas de educação e brandura para a sua vida é uma questão de escolha. Atitude. Mais que cuidar, a Marie, por exemplo, escolheu fazer o bem. Fotógrafa, ela registra cenários e histórias. Além das lentes, resgata sentimentos. Observa a tristeza e, sem muitas palavras, consola com um abraço.

Uma flor sobre a mesa ou um chocolate em dias difíceis são gestos de carinho dessa amiga. Um sorriso largo ou um delicioso jantar indicam a cumplicidade num momento feliz. Verdadeira e simples como a vida deveria ser, a Marie me revelou, dia desses, que ser gentil a faz se sentir uma pessoa melhor. Imagine, então, aos que convivem com ela.

Não gosto de clichês, mas, nesta ocasião, vou me permitir usar um: “Gentileza gera gentileza”. No mínimo, vale experimentar. Aprendi que esse é um caminho importante. A gentileza pode ser ensinada, pode ser replicada, pode ser buscada. Questões rotineiras podem ganhar nova graça quando se é gentil. Um abraço despretensioso, um sorriso, um “olá” ou um “me desculpe”. Tente perguntar “como vai” e ser generoso no trânsito. Também faz bem elogiar ou ter gestos de boa vontade e carinho, seja com quem for. Agradecer, sempre. A gentileza vai além da educação, se enquadra em ter valores. E ela se reflete.

A jornalista está de férias. Coluna originalmente publicada no dia 1.5.2015