REPRESENTATIVIDADE

Há beleza na diversidade

Finalistas do Concurso Beleza Negra de Betim representam milhões de brasileiros negros que não se sentem pertencentes ao mundo da moda e estilo

Por Tatiana Lagôa
Publicado em 24 de novembro de 2023 | 03:00
 
 
 
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Representatividade. O nome desta coluna cabe como luvas para iniciar este texto. Há alguns dias, eu estive em uma roda de conversa com os finalistas do Concurso Beleza Negra de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, e foi exatamente isso que eu senti. Cada um daqueles participantes, com seus cabelos diversos, emoldurando rostos negros de diferentes tonalidades de cor de pele representa milhões de brasileiros. Homens e mulheres que, assim como eu, não se viram pertencentes a esse universo de moda, estilo e padrão. E, ali, naquele concurso, que vou orgulhosamente ser uma das juradas, voltei no tempo e dei um abraço na “Tati” de 20 anos atrás e me acolhi com um: “Sim, você cabe em qualquer espaço. Nunca se esqueça disso”.

Aqui, preciso trazer uma contextualização: em um passado muito recente, nós, negros, não imaginávamos estar no centro de um concurso que enaltecesse a beleza. Alguns podem dizer: “E o Carnaval”? Aí, eu preciso explicar que estou fazendo um recorte mais específico. Estou falando da beleza eminentemente negra, com nossos traços “reais” e cabelos como de fato são e, o mais importante, sem uma conotação sexual envolvida na análise.

Não estou questionando a importância da festa do Momo para a nossa cultura, mas também não é segredo para ninguém que as mulheres negras, muitas vezes, eram vistas como objeto de desejo e entretenimento nesse contexto. Esse concurso de beleza que estou citando é diferente, porque, aqui, estamos falando da escolha de corpos reais. É para reafirmar a beleza que foi negada durante anos após a escravização dos nossos. Corpos negros, desde a época da escravidão, foram desejados, mas diminuídos. Mulheres negras não eram “para casar”, e sim para diversão em um mundo ainda mais racista do que o atual. Sim, isso ainda persiste para muitas pessoas que não se desapegam do preconceito, mas não é mais uma regra como foi no passado.

E o que um concurso de beleza tem a ver com a visão equivocada que foi criada sobre pessoas negras? Tudo. Segue a linha do raciocínio: em um primeiro momento, fomos renegados a serviçais. Não podíamos ser belos, porque isso era “coisa de gente branca”. A escravidão foi abolida, mas o preconceito mantido. Aí, vieram algumas gerações de pretos que cresceram recebendo mensagens de um não pertencimento. Negavam nossos cabelos, nossos traços, nossa cor de pele. Os concursos de beleza do passado só elegiam pessoas brancas ou negras de peles claras com traços mais próximos da branquitude. E de tanto ouvir que não éramos belos, passamos a acreditar e a tentar se enquadrar nos padrões estabelecidos como ideais. Haja chapinha para alisar tanto cabelo. Nesse intervalo, mulheres negras eram destaques em eventos que enalteciam seus corpos esculturais. Mas apenas aquelas que se encaixassem em um perfil muito específico de beleza, que excluía uma parcela enorme de mulheres. 

Agora, quando sento com um grupo de jovens negros empoderados, cientes de suas belezas naturais e resolvidos quanto a seus corpos, eu vejo o quanto avançamos em tão pouco tempo. Abri a conversa com eles por meio de uma pergunta básica: “O que seria beleza para um grupo de jovens que disputam a coroa de negro e negra mais belos da cidade?”. As respostas foram uma verdadeira aula, e tão diversas quanto o público ali presente. Ouvi coisas como: “O conceito de beleza é amplo”, “a beleza depende do olhar de quem avalia”, “há beleza em todo mundo”. Essa é, a meu ver, a grande lição de um concurso de beleza negra. O que eu disse para aqueles jovens participantes do concurso, deixo registrado aqui: no fim das contas, não importa quem for escolhido como o mais belo nesse contexto. Em um concurso de corpos negros lindos e reais, ganhamos todos nós. Todos mesmo. Negros e brancos que estão em uma sociedade em evolução.

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