A venda nos olhos da imagem que representa a Justiça estaria transparente? O objetivo de esconder a visão dela não seria justamente simbolizar a imparcialidade nos julgamentos? E a balança que a estátua ostenta nas mãos estaria descalibrada? Ela pende para um lado ou outro usando pesos e medidas diferenciados de acordo com quem for o acusado? Calma, eu não estou aqui para criticar a força da lei ou qualquer profissional que atue nessa área. Até porque perguntar não pode ser ofensivo.
Quem acompanhou o noticiário dos últimos dias pode ter lido um caso recente de ofensa no Mineirão. Um homem de 24 anos, torcedor do Cruzeiro, insatisfeito com o resultado do jogo, achou que poderia chamar o segurança do local de “macaco” diversas vezes. A ofensa foi tão gratuita e sem sentido que os demais torcedores ao redor o denunciaram a tempo de ele ser preso. Aqui a gente já pode ver um comportamento típico de um racista: quando quer descontar um descontentamento em alguém, escolhe a pessoa negra que estiver nas proximidades por acreditar que tem direito de nos falar o que bem entende. Outro ponto que destaco aqui é o quanto a criminalização do racismo começa a ser interiorizada pela população, que começa a denunciar.
Até aqui, sem novidades. Acontece que dois dias depois o rapaz já estava em liberdade. Como ele tinha emprego lícito, endereço fixo e não tinha antecedentes criminais, a Justiça entendeu que ele poderia pagar pelo crime com algumas medidas, como comparecer em juízo caso faça alguma mudança, seja de emprego ou endereço, e fique longe da vítima por três meses. Acontece que a lei prevê prisão de 2 a 5 anos em caso de injúria racial e de racismo.
Recentemente, a penalidade de injúria foi equiparada à de racismo, justamente para reduzir a impunidade. Aí, eu volto a perguntar para vocês: cadê a balança de uma Justiça que prende pessoas negras por causa de cigarro de maconha e solta brancos que comentem crimes contra a dignidade do outro?
Um leitor, identificado como Lucas, comentou na matéria que publicamos no jornal O TEMPO sobre o assunto: “Ô segurança, a partir de agora poderei chamá-lo de ‘pretão’ ou ‘macaco’, sem que nada me aconteça. Tenho endereço fixo, bons antecedentes, nunca fui réu, tenho ocupação lícita (aposentado)”.
A crítica, com tom irônico, faz total sentido. Cada decisão assim passa a mensagem de que racismo não precisa ser penalizado. Então, por qual razão um racista vai esconder sua vontade maluca de humilhar um grupo de pessoas que ele julga merecer? Existe crime que seja mais ou menos “valioso”, mesmo que na letra fria da lei não seja, mas de acordo com as características de quem estiver sendo julgado sim? E a venda nos olhos da Justiça não era justamente para nos equiparar enquanto cidadãos, sem interferência das crenças individuais dos agentes de direito? O que dizer para cada negro e cada negra que passam por preconceito e optam por não denunciar por considerarem perda de tempo? Para criar estatística? Apenas? E a impunidade? O que fazer sobre ela, que está no pano de fundo?
Um projeto de lei que acaba de ser aprovado em primeiro turno na Câmara Municipal de Belo Horizonte proíbe condenados por crimes de racismo de assumir cargos públicos na cidade. Ótima iniciativa, que pode ajudar a frear um pouco o ímpeto racista de quem acha que tem o que perder. Aí eu volto a perguntar: essas pessoas serão condenadas pela Justiça de balança descalibrada? Eu, sinceramente, não sei. E sim, a coluna de hoje traz mais perguntas do que respostas.
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- Tatiana Lagôa
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Há Justiça com balança descalibrada?
Ela pende para um lado ou outro usando pesos e medidas diferenciados de acordo com quem for o acusado?
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