REPRESENTATIVIDADE

Seu ‘sangue preto’ te define ou limita?

Novembro: mês da Consciência Negra! E das brigas nas redes sociais

Por Tatiana Lagôa
Publicado em 10 de novembro de 2023 | 03:00
 
 
 
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Novembro: mês da Consciência Negra! E das brigas nas redes sociais entre aqueles que entenderam o que a data representa e os que ainda insistem em uma suposta “Consciência Humana” no tal país onde “todo mundo tem o sangue negro”. 

Para começar nossa conversa, eu preciso fazer uma pergunta: algum branco “de sangue negro” já foi barrado no mercado de trabalho ou impedido de ocupar alguma colocação por causa do sangue? Alguém já foi taxado de criminoso ou sofreu algum tipo de preconceito porque a bisavó tinha o cabelo crespo? Se sua resposta foi “não”, você deu o primeiro passo para avançarmos nesse debate.

E, se foi “sim”, me procure, porque essa história precisa ser contada no jornal, e eu já tenho até o título: “A fantástica história do homem branco de olhos azuis que foi perseguido por seguranças de shopping por ter sangue de preto”. Ficou um pouco grande para ser título, mas acho que eu até conseguiria uma exceção editorial para fazer uma abertura maior, pelo ineditismo da história. 

Brincadeiras à parte, vamos aos fatos. Por mais que alguns tentem negar, o racismo existe e limita o crescimento de uma camada importante da população brasileira. Limita no sentido de tirar as oportunidades mesmo. E isso já foi comprovado em pesquisas: só 4,7% dos cargos de alta liderança são ocupados por pessoas negras, segundo o Instituto Ethos. Seriam mesmo os brancos tão mais inteligentes e preparados para ocupar as posições de chefia em todas as áreas? Isso já seria um indicativo considerável de que algo está errado. 

Um levantamento do Linkedin (plataforma voltada para conectar pessoas com foco no mercado de trabalho) mostrou que 70% das mulheres negras já tiveram que dar explicações sobre seus cabelos durante a jornada de trabalho.

Tente puxar na sua memória alguém com os fios lisos que tenha passado pela mesma situação. “Mas eu acho cabelo liso mais profissional”, argumentam alguns. “Mas o cabelo tem que ser alinhado”, dizem outros. Aqui, eu preciso questionar e espero respostas tanto de “alguns” quanto de “outros”: se os escravizadores tivessem cabelos crespos, como seriam os cabelos apelidados de “profissionais” e “alinhados”? Com isso, eu já dei uma pista boa do que está por trás desse discurso.

O padrão é ditado pelo poder, seja ele econômico ou político. E a partir daqui o raciocínio fica relativamente fácil. Em um país com bases escravocratas, em que negros eram as vítimas, sabemos quem está em postos de poder. E tem muita gente repetindo padrões sem se questionar sobre as razões para isso. Repetir até papagaio repete, mas se questionar, em algum momento, é necessário. 

Então acho que podemos chegar à conclusão, juntos, de que, nesta sociedade, ser branco, com traços finos e cabelos lisos, é passaporte de entrada para o sucesso. “Ah, mas tem muito branco competente”. Totalmente que sim. Mas o ponto é que existem também muitos negros tão competentes quanto, e que não têm a mesma oportunidade porque não têm o cabelo “alinhado” o suficiente. 

E é justamente por essa diferença que precisamos, sim, pensar sobre consciência negra, e não humana. Humanos somos todos. Mas de que humanos estamos falando? Humanos com oportunidades plenas? Humanos com direitos preservados? Não sei você, mas eu ainda componho a parte dos humanos que precisam suar a camisa e lutar demais por direitos simples. E esse tipo de humano que eu sou tem nome: negra!

Passada essa última lição – e, se você chegou até aqui, acredito que acompanhou o raciocínio –, vamos para a última questão: a mudança. Ela passa, a meu ver, por muitas questões, a começar pela aceitação de que existe um grupo inferiorizado e de que precisamos mudar. A partir disso, iniciativas podem ser adotadas, principalmente no mercado de trabalho.

As empresas podem ser aliadas do antirracismo e adotar medidas de reparação. A Todxs lançou um “Guia de Boas Práticas Antirracistas para as Empresas”, que eu destaco e indico a leitura. A equidade não será alcançada de uma hora para outra com a simples contratação de pessoas pretas. Ela virá de forma mais consistente quando nos conscientizarmos de que ter “sangue negro” não significa muita coisa em um país onde é a cor da pele que limita, e não a árvore genealógica. 

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