Representatividade

Tolerância religiosa, não, e sim respeito! Ninguém quer ser apenas tolerado

Você é do tipo de pessoa que se incomoda ou acha caricatas pessoas vestidas de baianas ou quando pensa em candomblé e umbanda já associa a despachos encontrados em esquinas e pensa no mal? Se for, eu preciso te dizer que você é preconceituoso.

Por Tatiana Lagôa
Publicado em 01 de junho de 2022 | 03:00
 
 
 
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Você é do tipo de pessoa que se incomoda ou acha caricatas pessoas vestidas de baianas ou quando pensa em candomblé e umbanda já associa a despachos encontrados em esquinas e pensa no mal? Se for, eu preciso te dizer que você é preconceituoso. Preconceituoso no sentido mais direto da palavra: “pré-conceito”, ou seja, uma visão anterior ao conhecimento. Talvez na correria da vida você até possa considerar que é um pensamento seu e que isso não muda em nada a vida das outras pessoas. Se fosse isso, estaria tudo bem. Mas é o seu pensamento, somado ao de outras pessoas, que tem colocado a vida de religiosos em risco. E o pior: em risco pura e simplesmente porque querem exercer a religiosidade delas e seguir em paz.  
 
A gente precisa lembrar aqui, por exemplo, que, há cerca de um mês, um terreiro de candomblé foi totalmente destruído em Esmeraldas, na região metropolitana de Belo Horizonte. O espaço estava em processo de finalização das obras de construção e teve portas, vigas e muros derrubados. Um ato de ódio em um espaço de amor, onde pessoas se reúnem para emanar o bem.  
 
Lavínia Ferraz, de 28 anos, teve sua iniciação como filha de santo nesse terreiro e não consegue pensar outra coisa a não ser que o ato tenha sido motivado por racismo religioso. “As religiões de matrizes africanas são atacadas porque remetem à negritude, por serem manifestações com maior número de pessoas negras”, diz. É por isso que ela defende: “As pessoas falam em intolerância religiosa, mas não queremos ser tolerados. Queremos ser respeitados. Então o termo certo é ‘racismo religioso’, já que a causa está óbvia”.  
 
Lavínia é uma mulher branca que segue a religião, se veste de baiana e nunca sofreu qualquer tipo de ataque. Já as amigas e os amigos negros que têm os mesmos hábitos não tiveram a mesma sorte. “Minhas amigas negras são atacadas na rua. Acho que o fato de eu ser branca me blinda dessas situações. Aqui, em Esmeraldas, um pai de santo negro teve todo tipo de ataque: ele é chamado de ‘macumbeiro’ na rua, vão na porta da casa dele ameaçar”, afirma. 
 
Bem, a meu ver, é praticamente impossível não atrelar essa situação ao racismo, concorda? E nem sei se eu precisava fazer esse complemento depois da explicação dela, porque parece até redundância. Só que o jornalismo me ensinou que coisas óbvias precisam ser ditas. Quando o assunto são visões erradas enraizadas, então precisam ser ditas quantas vezes forem necessárias e até gritadas, caso haja necessidade. Meu grito é por aqui, por meio das palavras, onde me encontro e me faço ser ouvida.  
 
Além desse terreiro de candomblé, há cerca de uma semana, foi a vez de um terreiro de umbanda ser alvo de ataques raivosos de preconceituosos. Aliás, nesse caso o termo certo é “criminosos”. Porque estamos falando de dois crimes: racismo e crime ao patrimônio. As duas histórias têm como pano de fundo o mesmo motivo: o de uma menina ter sido retirada da companhia da mãe e levada para um abrigo após ter ido a um ritual umbandista, em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte. A direção da escola onde ela estuda se sentiu confortável em questionar a religiosidade da mãe no Conselho Tutelar da cidade, que levou o caso ao Ministério Público. A mãe perdeu a guarda da filha por seguir a religião umbanda. Eu te pergunto: você conhece alguém que perdeu algum filho por levá-lo a qualquer outra igreja? Eu também não. Se isso não for racismo, eu, de novo, desconheço outro termo a ser usado. A Justiça obviamente devolveu a menina para a mãe, mas a dor do que elas passaram ficou.    
 
Você pode estar se questionando: “Se eu não destruí nada, não ofendi ninguém, por qual razão meu pensamento é errado?”. Aí é que está: enquanto pessoas como você não entenderem que essas críticas quanto às religiões de matrizes africanas são só mais um braço de um racismo e fruto de uma tentativa social e histórica de desqualificar manifestações culturais trazidas com os povos escravizados, pessoas violentas vão se sentir à vontade para agir. Elas pensam que agem em nome de um pensamento coletivo. Coletividade de que você faz parte e, indiretamente, alimenta.

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