Representatividade

Vai ter negros no jornalismo, sim!

Sim, o número de negros nas redações de jornais ainda é menor do que a proporção de pretos e pretas na sociedade


Publicado em 14 de maio de 2021 | 06:00
 
 
 
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Um belo dia o telefone da redação do jornal O TEMPO toca. Do outro lado da linha, um leitor indignado e visivelmente ofendido: “Quero falar com a chefia”. Sem saber, ele estava no lugar certo porque, do lado de cá, a ligação havia sido atendida justamente por um dos responsáveis pela parte de conteúdo do jornal. O homem narrou como se sentiu ofendido ao ler a série de reportagens “Sob o peso do seu olhar”, na qual o jornal deu espaço para que pessoas negras contassem episódios diários de racismo sofridos. Ele disse não concordar que as pessoas entrevistadas teriam sofrido os olhares preconceituosos narrados e concluiu que a redação de O TEMPO deveria, nas palavras dele, ser uma “redação de negros que viam racismo em tudo”. E se explicou: “não sou racista, porque até tenho um amigo negro”.

Isso foi em novembro do ano passado, mas ainda serve para exemplificar como algumas pessoas temem que a presença de pretos e pretas nas empresas jornalísticas possa dar voz a um grupo que, na cabeça delas, deveria ser mantido silenciado. Tenho uma notícia boa e uma ruim para aqueles que concordam com esse pensamento. A boa é que elas estão certas. A contratação de jornalistas negros, de fato, faz com que pautas ligadas à negritude ganhem cada vez mais espaço. E a ruim? A ruim é que as redações estão ficando cada vez mais coloridas. Lembrando que essa notícia não é boa para pessoas que pensam como esse leitor, que ligou esbravejando. Mas, pelo menos para mim, é motivo de muita alegria e orgulho. 

Sim, o número de negros nas redações de jornais ainda é menor do que a proporção de pretos e pretas na sociedade. Dados do estudo Perfil do Jornalismo Brasileiro, um trabalho coletivo da Rede de Estudos sobre Trabalho e Identidade dos Jornalistas, vinculada à Associação Nacional dos Pesquisadores em Jornalismo, mostram que 23% dos jornalistas contratados nas redações brasileiras são negros. E somos 56% da população. Porém, já estamos em um número maior do que éramos há poucos anos. Se até outro dia precisávamos alisar e esconder os fios crespos para atuar na área, principalmente na televisão, agora já soltamos as madeixas. Claro, não sem reação de ódio de preconceituosos.

Quem não se lembra do tanto de xingamentos que Maju Coutinho recebeu quando começou a ter destaque na Globo? Questionaram a beleza, a competência e a capacidade dela. Tentaram destruí-la com palavras de ódio que não a derrubaram do cargo, mas, certamente, a fizeram sofrer. E tudo isso só por ela ser negra. Quem acompanha os comentários feitos por internautas sempre que sai essa coluna deve estar se lembrando de que Maju não está sozinha nessa situação. Quantas pessoas gastam um tempo do dia delas só para destilar ódio em formato de comentários a cada coluna minha. É como se ler sobre negritude acessasse nelas um dispositivo de aversão tão grande que não haja outra saída a não ser humilhar o outro. Algumas críticas beiram o absurdo e mostram, nas entrelinhas, que, para uma parte da sociedade, o lado de cá não é lugar para negros. Não podemos ser letrados, estudados ou comunicativos o suficiente porque nossa essência é a servidão. 

Não chegamos em grande número às redações de jornais por vários motivos. O principal deles é que poucos de nós conseguem chegar às universidades e concluir o curso de jornalismo necessário para atuar na área. A explicação, de novo, é histórica e cultural. Se saímos da escravidão outro dia, ainda não estamos em pé de igualdade financeira para ocupar as cadeiras das faculdades. Segundo o IBGE, só 18,9% dos jovens negros cursam ensino superior. A presença de jornalistas negros nas redações será inclusive tema do 1º Congresso Nacional de Jornalistas Negras e Negros. O evento online, organizado pelo Coletivo Lena Santos, acontece de hoje até domingo, com inscrições pelo Instagram do coletivo.

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