No fim do século XVII, foram descobertos os grandes aluviões de ouro no interior do Brasil. Assim nasceram as Minas Gerais, que passaram a receber cada vez mais gente em busca de metais preciosos e riqueza fácil. O boom habitacional da região veio junto com altas taxas de criminalidade e contrabando.

O reino de Portugal enfrentava situação econômica precária, e a cobrança do quinto (20% do ouro extraído) em Minas servia para cobrir dívidas com a Inglaterra – uma espécie de pedalada fiscal que permitia à Coroa Portuguesa gastar mais do que ganhava.

Essa operação foi feita com mão pesada, à custa de derramas, prisões, sangue, levantes. O ouro que não foi para a terra da rainha dissipou-se nas mãos de extrativistas ou piratas. E o que de fato ficou?

Os interiores magníficos de algumas igrejas barrocas, isso é certo, mas seria necessário muito mais. Afinal, que parte dessa riqueza ajudou a constituir uma sociedade melhor para as gerações seguintes?

Essa pergunta é muito relevante no caso do extrativismo por um motivo simples: trata-se de recursos finitos, que se extinguem em certo prazo. Se aquela atividade não ajudar a estruturar a economia e sistemas públicos de educação e saúde etc., de que ela terá servido quando se encerrar?

É sob essa ótica que precisamos olhar para a mineração, especialmente após os escandalosos crimes em Mariana e Brumadinho. De todo o minério extraído das montanhas de nosso Estado e enviado diariamente para o exterior, quanto é revertido em benefício para a população?

A geração de empregos costuma ser colocada como principal argumento favorável. Há dois problemas aí. O primeiro é que a indústria extrativista gera percentualmente poucos empregos: representa cerca de 4% do PIB do país, mas gera somente em torno de 0,5% dos empregos, segundo dados do IBGE.

O segundo é que a geração de empregos nesse caso é como vender o jantar para pagar o almoço. Quando se encerrou o ciclo do ouro em Minas, a economia na região minguou. Quando acabar o minério ou sua exploração deixar de fazer sentido, os empregos deixarão de existir.

O que a atividade minerária vai deixar para nossos netos, além de rios poluídos, montanhas escavadas, cidades dizimadas, memórias de dor e aniquilação? Pode-se dizer que nada. A atividade minerária no Brasil paga cerca de 3% do faturamento em impostos, o que é ínfimo frente ao impacto que gera. Para se ter uma ideia, na Austrália, as empresas mineradoras são tributadas em 40% de seu lucro.

Conforme apontei em artigo anterior, na Noruega as petroleiras precisam deixar 78% de seu lucro em tributos, que vão para um fundo soberano do povo norueguês. Na década de 1960, a Noruega era um país pobre, ainda impactado pela ocupação nazista, com alto déficit habitacional. Foi a política de petróleo estabelecida que fez com que se tornasse um país rico, com um ótimo sistema de bem-estar social e uma das menores taxas de desigualdade do mundo.

É importante se solidarizar e ajudar as vítimas do crime em Brumadinho, mas a mudança real estará em lutarmos por outro modelo de exploração dos recursos naturais. Um modelo que seja altamente regulado e fiscalizado, para reduzir impactos. Que tenha uma tributação do nível norueguês, destinada a um grande fundo soberano do povo brasileiro. Que aplique esses recursos em educação, saúde e desenvolvimento de economias sustentáveis no longo prazo.

Para Farouk al-Kasim, que desenhou a abordagem norueguesa para a exploração do petróleo, é preciso olhar para um recurso abundante como um problema. Converter esse problema em benefício real para a sociedade demanda grande esforço.

Seremos capazes de reverter o problema que nomeia nosso Estado em algo que deixe um mundo melhor para nossos netos? Como seria uma nova lei da mineração que priorizasse o bem comum? Com toda a justa comoção em torno de Brumadinho, conseguiremos realizar a mobilização social necessária para contrapor o lobby das mineradoras e construir leis mais justas?

Por mais que tenha sido um período de grande pilhagem, nossos antepassados ao menos nos legaram igrejas belíssimas, com o Ciclo do Ouro. E nós, o que legaremos a nossos netos com o ciclo do minério?