Viemos ao mundo no entardecer do século passado. Alguns antes, outros depois da passagem do cometa Halley.
Éramos adolescentes, crianças ou bebês quando caiu o muro de Berlim e quando colapsou a União Soviética. Junto com o “socialismo de Estado” acabava a tal Guerra Fria – a disputa entre potências que pareciam dispostas a destruir o planeta para vencerem uma a outra. Na América Latina, encerravam-se ditaduras sanguinárias, várias delas patrocinadas pelo governo americano em sua busca por hegemonia.
Anunciou-se então o fim da história. O capitalismo vencera e, agora, bastava ajustar a rota rumo a um mundo globalizado de mercados integrados. Não havia alternativa, disse uma primeira ministra britânica: chegara a vez da ordem neoliberal.
Barreiras econômicas foram caindo para garantir o fluxo de capitais e mercadorias. Tratados de livre comércio, abertura de capitais, empresas transnacionais – o novo léxico que nos levaria ao progresso.
Passamos a comprar computadores, a acessar a internet, criamos contas de e-mail e entramos no Orkut e, depois, no Facebook. Então, vieram os smartphones, a explosão do acesso a redes sociais e a promessa da emancipação da grande mídia pela pulverização das redes.
Até que veio a crise econômica de 2008, e o véu começou a cair. A desigualdade econômica aumentou escandalosamente desde os anos 1980, como mostraram os estudos do economista Thomas Piketty. Em muitos lugares, a desigualdade retornou para patamares do início do século 20. No Brasil, o país mais desigual do mundo, hoje o 1% mais rico tem quase 30% da renda.
A globalização serviu também para estressar os limites ambientais, com a intensificação sem precedentes da exploração de recursos, da produção e do consumo de produtos globais, tudo à base de muito combustível fóssil. Para se ter uma ideia, mais da metade do carbono dissipado na atmosfera na história da humanidade devido à queima de combustíveis fósseis foi emitida nas últimas três décadas, como apontou o jornalista David Wallace-Wells.
A falta de regulação levou à bancarrota indústrias locais, incapazes de competir com produtos fabricados em lugares como a China. As novas tecnologias permitiram aplicativos e serviços não enquadrados nas legislações trabalhistas existentes, criando um enorme precariado urbano de motoristas, entregadores, telefonistas.
A insatisfação social gerou os protestos indignados na primeira metade desta década e abriu espaço, em seguida, para uma onda eleitoral de demagogos autoritários, que construíram suas campanhas em torno de teorias conspiratórias e notícias falsas – potencializadas pelas novas mídias.
Assim, quando chegou o momento de nossa geração atuar na esfera pública, encontramos um mundo com desigualdade de renda abissal, proteções sociais flageladas, democracias fragilizadas e condições climáticas catastróficas.
Nosso desafio é tremendo, porque as fórmulas conhecidas não servem mais. Resolver o problema distributivo com crescimento econômico, como foi feito razoavelmente no pós- guerra europeu, levará à catástrofe climática. Se a atividade econômica na Terra nas próximas três décadas tiver a mesma intensidade das últimas três, regiões inteiras se tornarão inabitáveis devido ao aquecimento que gera tragédias ambientais, desertificação, inundação, migrações. Isso é consenso entre cientistas do clima.
Em suma, o desafio é nada menos do que dividir o bolo sem aumentá-lo, enfrentando um cenário de descrença na política, esfera pública corroída e contrato social esfacelado.
Há ainda mais um desafio. Nossa geração leva pouco a sério a questão climática. Urgem uma mudança de postura e um aprendizado com a geração que nasceu neste século, da ativista Greta Thunberg. Será preciso ler e aprender, mas, antes disso, nos sensibilizarmos. A casa está em chamas. Recomendo muito o último artigo da jornalista Eliane Brum.