Uma máxima diz que, quanto mais cara e luxuosa é uma viagem, mais distante se está do lugar. Passar todos os dias de restaurantes três estrelas, do “Guia Michelin”, ou quatro estrelas, do “The New York Times”, para outro traz uma visão parcial do que é a gastronomia, especialmente a local.

Ambientes focados no luxo e na busca da perfeição extrema têm um forte componente de tensão implícito, em que o dono, o chef, o maître, o sommelier e o cliente têm níveis máximos de exigência. Do restaurante para os hotéis mais caros, a coisa prossegue, o serviço é perfeito, a atmosfera é formal, os ambientes são exclusivos, mas o fato de não ser inclusivo extrai do viajante a possibilidade de conhecer a energia da vida local.

“No Ritz, todo mundo que paga entra”, falava Proust, conhecido pelo seu refinamento, sobre o hotel onde morava, num comentário lúcido do quanto é relativo o conceito de exclusividade, uma vez que está à venda.

Não se trata, obviamente, de demonizar o luxo na gastronomia e na hotelaria. São ambientes que fazem parte do todo, mas mercados, feiras de rua e em praças, além de restaurantes com menos ou nenhuma estrela (porém, com selos de publicações relevantes), podem trazer grandes experiências, unindo descontração e gastronomia.

Comer bem hoje não é mais associado a restaurantes exclusivos e formais, formato que está em decadência em todo o mundo. A moda de food trucks (muita bem-vinda, por sinal) e de feiras valorizando produtos locais mostra que as pessoas querem unir gastronomia e boa bebida com alegria e diversão.

Hoje, existem várias listas dos melhores restaurantes do mundo que competem entre si. Felizmente, não há uma única voz, nem um único critério, pois as redes sociais e os aplicativos trazendo a opinião do público, como o Instagram e o TripAdvisor, </CW>abalaram o poder dos guias “Michelin” e “Quatro Rodas”, por exemplo, e do ranking de revistas especializadas. A experiência mostra que o público não está muito preocupado com prêmios; casas esnobadas duram décadas, enquanto algumas premiadas fecham.

E, especialmente num mundo em crise, pouca gente está disposta a gastar uma fortuna para comer e correr o risco de se decepcionar depois. Crises têm aspectos positivos, como a valorização de um feijão tropeiro bem-feito; da comida de boulangerie, em Paris; das barracas de Currywurst, em Berlim; dos sanduíches de pastrami e dos hambúrguers, em Nova York; dos tapas e pintxos, na Espanha; dos pregos (sanduíches de filé com o pão caco, da ilha da Madeira), em Portugal; dos tacos mexicanos; e das massas de cantina e das boas trattorias, na Itália.

Comida descomplicada e bem-feita é a comida da segunda década do século XXI.