Depois do “golden shower” mostrado pelo capitão e das cenas de exibicionismo macabro dos homicidas de Suzano e Christchurch, entre outros, não há como deixar de dar razão ao físico britânico Tim Berners-Lee, o mesmo que criou a internet, em 1989, quando trabalhava no Cern, o famoso acelerador de partículas atômicas situado na Suíça. “A web tornou-se um monstro fora de controle”, desabafou, nos últimos dias, o pai de uma das maiores invenções do século XX. Há apenas cinco anos, quando a internet comemorava bodas de prata, Lee especulava que “havia algo errado” com sua criatura. Hoje, seu libelo se iguala ao do general Golbery do Couto e Silva, criador, em 1964, do execrável Serviço Nacional de Informações (SNI) da ditadura cívico-militar, ao assumir que também criara um monstro.
Um dos colaboradores de Berners-Lee afirma que a internet tornou-se o teatro de operações de “golpistas e trolls”. De fato, no âmbito das chamadas “deep web”, “dark web” e até mesmo da “surface web”, imperam a violação de privacidade, o furto de patrimônio, a apropriação indébita de dados privados, a disseminação da pornografia e da pedofilia, a propagação da desonra alheia, a manipulação das informações, a incensação desmedida de egolatrias e a histerização das multidões por meio do ódio. Não bastasse isso, já se pode antever a guerra cibernética descontrolada, com protagonismo da inteligência artificial.
Umberto Eco, pouco antes de falecer, salientou, horrorizado, que as redes sociais haviam dado “direito à palavra a uma legião de imbecis, que antes falavam apenas em um bar e depois de tomarem uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”. Talvez por isso Berners-Lee, quiçá acometido pelas angústias de Prometeu, se empenhe tanto em que se estabeleça uma “ética universal para a web”.
Enquanto isso não ocorre, devemos, todos que não desejamos a barbárie e, ao mesmo tempo, repudiamos a tirania travestida de “ordem democrática”, nos preparar para enfrentar os desafios do presente. Sugiro, para tanto, a reflexão sobre as 20 lições do século XX, elencadas pelo historiador norte-americano Timothy Snyder, professor em Yale, em sua obra “Sobre a Tirania”, que proponho tornar-se livro de bolso dos homens e mulheres de boa vontade. Remeto o leitor à pequena brochura, já editada em português, na qual são desenvolvidos argumentos que amparam as 20 lições, das quais reproduzo algumas, muito apropriadas para o Brasil de hoje: não obedeça de antemão; defenda as instituições; assuma sua responsabilidade com o mundo; cuidado com grupos paramilitares; se você tiver que portar armas, reflita; trate bem a língua; investigue; faça contato visual e converse sobre generalidades; pratique a política corpo a corpo; preserve a sua vida privada; contribua para as boas causas; aprenda com pessoas de outros países; preste atenção a palavras perigosas; mantenha a calma quando o impensável chegar; seja patriota (“de verdade”, acrescento); e seja o mais corajoso possível.