SANDRA STARLING

Para já ir avaliando

Estudantes devem se aprofundar em Karl Marx e em Adam Smith


Publicado em 28 de novembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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O futuro ministro da Educação declarou que nossos estudantes são “reféns de um sistema de ensino alheio às suas vidas e afinado com a tentativa de impor à sociedade uma doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista”. Entre incrédula e perplexa, fiquei a imaginar o que poderá se passar com um professor de física que ousar narrar o que aconteceu com Galileu Galilei, quando este constatou que a teoria de Ptolomeu, segundo a qual o Sol girava em torno da Terra, era equivocada. Se, porventura, desafiar a ortodoxia curricular e disser que os soviéticos lançaram o primeiro satélite artificial ou que colocaram o primeiro homem em voo orbital, já pode se preparar para um destino semelhante ao de Giordano Bruno. Obviamente, não poderá tocar no nome de Albert Einstein, um notório subversivo em todos os sentidos. Afinal, nada poderia ser mais ofensivo aos “valores tradicionais” de uma sociedade “conservadora” do que o mantra do genial físico alemão: “O mais importante é que nunca deixemos de fazer perguntas”.

Sobre essa tal “escola sem partido”, sinto-me plenamente representada pelo artigo publicado pelo senador Cristovam Buarque, neste mesmo espaço, na última sexta-feira.

Gostaria, apenas, de acrescentar que a recusa do nome de Mozart Neves Ramos para assumir o MEC é lastimável. No curto período em que estive à frente da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, nos anos 90, procurei implementar, sem sucesso, uma filosofia escolar muito semelhante à que Mozart Neves pôde executar no Estado de Pernambuco e cujos resultados já são reconhecidos e largamente elogiados. Sempre identificada com o pensamento de esquerda, causei escândalo ao nomear uma doutora em matemática para a área de aperfeiçoamento de professores. A minha motivação era óbvia: havia uma enorme carência de professores de matemática na rede municipal, e todos sabíamos que o Brasil estava despreparado para os desafios da sociedade do conhecimento, que só poderiam ser suplantados com a ênfase em habilidades matemáticas e em ciências da natureza. Sem prejuízo da dedicação às humanidades, evidentemente.

Precisamos, obsessivamente, de uma educação de qualidade: integral, transversal ou interdisciplinar e, sobretudo, crítica, permanentemente submetida ao crivo do contraditório. Só assim o conhecimento avança. Seria necessário que, nas faculdades de economia, os estudantes pudessem se aprofundar tanto em Karl Marx quanto em Adam Smith, passando por todas as tonalidades intermediárias. Nas escolas de direito, seria imperativo moderar o tradicional positivismo jurídico, a fim de que todos pudessem conhecer, a fundo, o pensamento de Carl Schmitt, tanto quanto o de Evgeny Pashukanis.

Mas já que Karl Marx, um dia, elogiou o trabalho de Charles Darwin, devemos ir nos preparando para a inclusão da “Origem das Espécies” no “index librorum prohibitorum” do sr. Vélez Rodríguez. Os estudantes que melhor souberem recitar o criacionismo e o animismo dos primeiros capítulos do Gênesis merecerão os louros devidos: “magna cum laude”, evidentemente.

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