Thiago Camargo

Mérito e igualdade de oportunidades

Escola e pessoas vitais para o desenvolvimento


Publicado em 23 de setembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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No artigo que publiquei no dia 5 em O TEMPO, comovido com a história da professora Cária e do seu falecimento por Covid-19, agradeci a quatro professoras que me marcaram na infância. O artigo repercutiu de forma surpreendente, com muitos leitores demonstrando apreço a seus antigos professores e perguntando a respeito de onde estudei e quem eram meus professores.

Estudei durante boa parte da minha infância no Instituto de Educação. Amava aquilo lá; amava ir e estudar; amava ter minhas irmãs ao meu lado, mesmo quando era apenas um portão que nos separava (em razão da idade, às vezes eu estava no Instituto de Educação e elas na Escola Presidente Kennedy); amava, sobretudo, minha mãe buscar a gente e irmos a pé para casa.

As professoras que citei são as de que me lembro bem. Quando estou angustiado, triste ou algo assim, penso em coisas boas que me aconteceram. E quase sempre penso naquela escola, onde aprendi a ler, aprendi a pensar e aprendi a gostar de tantas coisas. Célia foi quem concluiu minha alfabetização. Rose marcou o início dos estudos sociais. Era jovem e desafiadora. Margarida era uma flor. Ensinava por meio de poesias. E Elizabeth adorava números. Nunca mais tive notícias.

Ao lado delas, falta falar de uma pessoa: minha mãe. Ela, sim, me fez gostar de ler, escrever e pesquisar. Nas greves que duravam meses na rede pública, minha mãe ficava horas ensinando, conversando e suprindo a falta de uma educação formal de qualidade, que não podia pagar.

Perdi completamente a conexão com a minha escola. Embora corriqueiro em nossa sociedade, o certo é que sempre me incomodou nosso desapreço com as pessoas que marcam nossas vidas, as instituições, espaços públicos e privados, que foram essenciais na nossa formação. Temos uma desconexão profunda nas nossas relações sociais e comunitárias, o que diminui nosso sentimento de pertencimento.

Minha paixão pelo estudo foi sendo criada aos poucos, mas essas pessoas e instituições, elas sim, merecem todos os méritos. E é justamente aqui que se encontra o ponto que quero destacar. O lugar de nascimento, a família, as condições de vida e de escolaridade dos pais são determinantes na vida de uma criança. Meritocracia e todo o resto só existem a partir da garantia de igualdades de oportunidades na infância. Laços comunitários, famílias comprometidas, com capacidade e com um tempo mínimo disponível, escolas públicas de qualidade, são vitais para o desenvolvimento humano.

Infelizmente, ainda estamos longe que isso aconteça. Poucos tiveram as condições iniciais que eu tive. O mérito, quase todo, não é meu.

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