Nos últimos dias o poderoso Vladimir Putin tem sido o centro das atenções da mídia europeia pelo encontro dele com Donald Trump no Alasca. A expectativa de cessação da guerra com a Ucrânia, que ele começou, se faz cada dia maior na União Europeia. 

Será, de qualquer forma, um fim sem vencedores, com perdas humanas e materiais imensas.

Putin vive uma crise grave, pessoal e de governança. Enfrenta conspirações veladas e o “desejo” disseminado de sua queda, que nunca foi tão forte. 

Contudo, a dúvida: o que acontecerá depois que Putin desaparecer? Essa preocupação também é gigantesca. Existe o risco de o caos se instalar na Rússia, pois não há um ambiente preparado para uma sucessão pacífica. Serão os chefes empoderados da KGB, com seus métodos sanguinários, a dirimir a disputa.

Putin foi originado exatamente pela KGB (uma Gestapo). Por gratidão, deu a seus membros todo poder, estatais, jazidas e o que tinha de lucrativo e cobiçado na própria economia nacional.

Para entender a complicada situação russa, a jornalista russa Anna Zafesova lançou uma biografia não autorizada de Putin. Ela destrincha, desde as origens mais remotas, toda a vida daquele que define como “monarca” sem dinastia.

Salvei algumas considerações desse livro, que ainda não está disponível no Brasil. Mas antes vale lembrar a notícia mais lida nos últimos dias em toda a Europa: Putin, no encontro do Alasca, fez voltar para a Rússia seus excrementos de urina e fezes. Essa tarefa ficou aos cuidados de um atendente que o acompanhava e que despertou a atenção de jornalistas que cobriam o encontro. A notícia, não desmentida, correu o mundo e levantou especulações; entre as mais pertinentes teria a de não deixar possíveis amostras, detectadas por análises laboratoriais, de uma doença incurável e uma falência próxima do líder russo. Isso poderia dar motivo a reações incalculáveis e não desejadas por Putin. 

Zafesova sustenta: “O sistema de Putin é o de Putin privatizando o Estado russo e terceirizando-o para seus amigos”, e, ainda: “(...) se observarmos o círculo dele, seus oligarcas, as pessoas mais ricas da Rússia, aqueles que possuem ou administram empresas estatais e os maiores ativos do país como altos gestores, ou que ocupam cargos-chave no Estado, descobriremos que são colegas de escola, colegas de universidade, companheiros da KGB, colegas de judô de Putin, colegas da Prefeitura de São Petersburgo desde a época em que ele era vice-prefeito. Putin é um homem que não confia no sistema, ele só confia nas pessoas”.

A jornalista afirma: “Embora seja um homem criado em dois grandes sistemas, o Partido Comunista Soviético e a KGB, o colapso de ambos provavelmente o torna profundamente desconfiado de sistemas e regras. De fato, vimos como ele frequentemente constrói suas relações internacionais como se fossem pessoais: ele precisa de uma conexão pessoal com Berlusconi, com Trump, com Angela Merkel,  assim como desenvolve antipatias pessoais, por ser incapaz de pensar de acordo com as regras”.

A popularidade inicial de Putin foi decisiva: “Uma das razões da sua enorme popularidade é que, especialmente no início de sua Presidência, mas também em estágios posteriores, conquistou tal consenso que esmagou qualquer um dentro da elite russa. Nascido como herdeiro aparente de Yeltsin, colocado lá por ser considerado inofensivo, ele conseguiu adquirir grande poder porque tinha a KGB por trás dele”.

Putin, observa a jornalista, é “o típico homem soviético que não se arrepende do comunismo, porque compreendeu bem que o socialismo soviético não havia funcionado e reconheceu a vitória do Ocidente e do capitalismo. Ao mesmo tempo, ele teve dificuldade de aceitar e compreender a democracia ou uma economia de mercado inexistente da União Soviética. Criou o seu sistema”.

O resultado é um híbrido: “Ele criou uma espécie de União Soviética com livre comércio e lojas completas. Teve o mérito de abolir o Partido Comunista e o substituiu no comando, de fato, pela KGB. Aquela temida por Kruschev em 1956: ‘a polícia política nunca deve dominar o partido, pois o derrubará, e nisso a polícia política permanece e ninguém mais a controla’”.

Isso, para Zafesova, aconteceu, e Putin a transformou numa monarquia pessoal: “A União Soviética, embora uma ditadura comunista totalitária, tinha mecanismos políticos internos e mediadores de poder. Depois de Stálin, nenhum líder jamais teve o poder que Putin tem. Vimos isso na decisão da invasão da Ucrânia, quando ele interrogou seus ministros e chefes de inteligência, rindo das respostas que não considerava corretas. Eles tentam adivinhar o que ele quer, porque a Rússia é uma monarquia e estamos falando de cortesãos”.

Esse sistema torna o líder difícil de substituir: “A única maneira é eliminá-lo. O impeachment está previsto na Constituição, mas é praticamente impossível. Mesmo que Putin fosse derrubado por uma conspiração, o risco é que o sistema entre em colapso”.

A jornalista conclui: “Tenho certeza de que a maior parte da elite russa acorda de manhã na esperança de ler que Putin caiu, mas, ao mesmo tempo, está apavorada. Ela não teme uma sucessão manipulada, mas um colapso, uma guerra de gangues”.

Uma guerra fratricida na Rússia seria muito pior do que aquela com os ucranianos, faz pensar em imensos desastres internos, para a Europa e o mundo inteiro.